Outro dia, ao prestigiar o lançamento de um livro e de um mapa de astronomia de um amigo na Fnac da Av. Paulista, vagamos por longo tempo sobre as impropriedades do Universo, seus mistérios, suas infinitudes, a localização de Andrômeda e Sirius, as rotações e os dias desiguais de Júpiter, a colcha de fragmentos que derredora Saturno e que a ilusão faz crer que é um anel estelar --- e que a fantasia, às vezes mais prodigiosa que a ilusão, informa que a argola é um presente de Deus ---, o Ourives do céu, e tantas outras conjeturas, que por instantes me senti Galileu sem a peia da Inquisição, Newton sem o fanatismo da astrologia, Copérnico sem... não me ocorre nada de relevante à vida deste célebre polonês; o deixarei quieto, sem nenhum adendo histórico ou pessoal que deslustre sua biografia.
Após esta magnífica viagem ocular pelo intangível Cosmo ali posto à nossa frente numa insignificante folha de papel, a conclusão pacífica que chegamos é a de que estamos, na verdade, presos no planeta Terra. Não há escapatória possível, garantiu-me ele do alto de seu mestrado, doutorado, MBA, PHd e outros títulos honoríficos que me encheram da mais espacial pequenez. Presos no planeta. Pareceu-me, num primeiro momento, que era extravagante uma tal afirmativa, mas bem analisada...
... Bem analisada, ela nos leva a um entendimento específico. Só para percorrer a Via Láctea com um artefato que flutuasse à velocidade da luz, seriam necessários 100 mil anos de viagem; coisa pouca. Esta Via, que não verte leite algum, é um ponto tão minúsculo no espaço visível que... que nem a imaginação turbinada por uma pá de LSD seria capaz de sumamente concentrar.
Fico a pensar nos grandes conquistadores do passado, nos navegantes de virgens mares, a desvendar terras nunca antes vistas, o receio do desconhecido a pairar por sobre suas ambições e sede de nomeada, de orgulho e de heroísmo. Nada detém o homem quando ele quer se superar. Na mitologia, Perseu, Hércules e Dionísio vagaram por lugares inóspitos da Ásia, acumularam as glórias da expedição e voltaram aclamados para a mãe Grécia, que os recebeu como filhos heroicos e logo depois os devorou, segundo a tradição e a necessidade de esmagar quem se eleva demais sobre os outros e com isto insulta a própria glória, que não tolera rivais.
Ignoro se o homem, amanhã ou semana que vem, descobrir um meio de violar a física e o espaço-tempo de Einstein, e assim ter o poder de devassar a vastidão universal e criar colônias nas mais longínquas galáxias, mais ou menos como fez nas Áfricas; fará tal qual os heróis das lendas gregas e se deixem seduzir pelos sucessos para depois virarem pó. O Universo, com sua colossal complexidade e incompreensível volume já nos esmaga e insignifica sem agir. De alguma maneira, a expectativa é grande. Rasgar o vácuo numa nave ou na imaginação dá no mesmo; a vantagem de imaginar é que a imagem aceita fantasia; a viagem, de carne e osso incluso, tem tantas complicações embutidas, que é preciso tempo e uma dose cavalar de magia, que se sabe, não se encontra fácil por aí.
Comments