Porque Não Lula. Porque Não Jair
O poeta inglês William Wordsworth (1770-1850) cunhou, num curto poema, a ideia de que “o menino é o pai do homem”, ou seja, na gênese de todo pai habita aquele garoto ancestral que ele ama e acalanta. Podemos aplicar o mesmo princípio na política brasileira?
Luís Inácio, o Lula, é o pai inconteste de Jair Messias, o Bolsonaro. Ambos, pai e filho, nutrem e compartilham a mesma visão de mundo; ambos são misóginos, homofóbicos, machistas, autoritários, mas cada qual a seu estilo. Astuto, Lula ganhou um insuspeito refinamento teatral, não por ter amadurecido, mas por instinto de sobrevivência; trocou o característico tom agressivo pelo charme. Jair, o filho, ainda está no auge da adolescência, os hormônios o consomem sem dó e, diferente do pai, envelheceu sem ficar sábio ou, ao menos, sem o ardil de ocultar o que se é na essência.
Expostas as semelhanças, porque o Brasil não deve eleger este clã unifamiliar que se esforça para mostrar-se tão diferente, mas que compartilha o mesmo DNA?
O fato de ambos serem incapazes de pacificar o país já os desqualificam para o cargo, abrindo um forçoso caminho para que um terceiro nome floresça e ganhe os corações das urnas.
Os dois projetos de poder que anunciam nos condenam ao que há de mais velho e retrógado em política social, de infraestrutura, econômica. Os parentes, usando dialetos falsamente distintos, querem ludibriar o país com a ideia vulgar de que são opostos, quando se retroalimentam das espurcícias que produzem.
Lula é um acidente político, o mais formidável acidente político da história do Brasil. Viveu no tempo e lugar certo para se tornar este fenômeno. A diferença entre ele e Jair começa a gritar a partir de suas origens. Lula cercou-se de um sofisticado conjunto de instituições e movimentos que o elevaram de operário, a líder das massas. Não fosse a ditadura militar, o movimento sindical no ABC, a ala progressista da Igreja Católica, não fossem os intelectuais da USP indignados com o regime militar, mas sem traquejo para comunicar às massas suas indignações, jamais existiria um Lula. Esse magnífico conjunto encontrou no metalúrgico carismático seu porta-voz ideal; estava criado o mito do líder popular, quase messiânico.
Jair é um acidente de outra espécie. Deputado por quase três décadas do chamado “baixo clero”, era uma figura insignificante no Parlamento, igual a centenas de outras. Passou a vida defendendo teses da envergadura da sua pequenez. Simplório, Jair não precisou da azeitada máquina institucional que deu origem a Lula: Luciana Gimenes, quem diria, unificou em sua pessoa todas as forças seculares que outrora forjaram Lula: ela sozinha passou a dar a voz para que Jair ecoasse suas ideias bizarras sobre costumes e, vá lá, política, e assim ele saiu da insignificância à vitrine; da vitrine a conquistar seguidores; daí ao triunfo.
Após tal improvável, porém, eficiente audiência, eis que surge seu pai político, atolando e assombrando o país com escândalos em escala industrial, deixando o eleitorado órfão de sua tradição messiânica: era a brecha perfeita de que precisava para envergar a capa do novo Messias.
No embalo da malfadada Operação Lava Jato, que tinha tudo para passar o Brasil a limpo, mas preferindo os holofotes à lei, sucumbiu, Jair surfou na onda anticorrupção. Apesar de estar já sob grossa suspeita da prática de aliviar o Erário, porque o cinismo também é um eficiente ingrediente político. Jair bailou em terra devastada posto que a corrupção, maior cabo eleitoral das eleições de 2018, foi pauta nacional por longo tempo, fragilizando os atores políticos mais destacados – e igualmente flagrados em ilícitos – e teve, glória oportuna, seu pai preso em momento crucial, viu abertas as portas do Poder e, concretizando a profecia do imperador português, lançou mão da coroa, modernizada na forma de cadeira no Planalto.
Lula, o patriarca, é superlativo, é o Mensalão, é o Petrolão. Jair, respeitando a hierarquia, é diminutivo: o tradicional peculato ganha o noticiário como “Rachadinha” um carinhoso reducionismo que evidencia seu tamanho no espectro dos escândalos que saem e entram na moda a cada estação, mas a nação permanece num infernal e eterno inverno.
O fato de lideraram com folga as pesquisas indicam que querem manter o Brasil exatamente onde ele está: sem rumo, na proa do atraso. Nenhum dos ambos têm a grandeza moral de abrirem mão de suas candidaturas em nome de um novo começo, de uma nova tentativa de fazer o Brasil sair da lama onde viceja tanta erva daninha.
Ganhando Jair, a tensão continuará em alta voltagem. As ameaças de golpe se limitam ao que são: ameaças. Houvesse ambiente e apoio militar e da classe econômica, ele já teria executado o golpe há tempos, logo, tudo é mera bravata emoldurada no desespero causado pelo medo da derrota.
Vencendo Lula, a ira do perdedor se acenderá perigosamente, com risco de não reconhecer a derrota e todos os desdobramentos macabros que isso pode significar.
Em suma, a vitória de um ou outro, significa a derrota do Brasil.
Esse mesmo país, tão violentado por indicadores sociais obscenos, é vendido pelos dois candidatos como o melhor país do mundo em seus respectivos governos. Constrange muito observar seus seguidores os defendendo tão apaixonadamente como se fossemos uma Suíça interina, que só é real enquanto ostentavam a faixa Presidencial. Oxalá fossem cobrados com o mesmo ardor com que são adorados.
O Brasil ainda tem uma saída honrosa. Eleger um outro nome. É o único antídoto que temos para deixar os ódios com seus odiadores. Vencendo outro nome que não um dos dois, seus seguidores poderão expor suas raivas nos cantos escuros das arenas das redes sociais, sem prejuízo para o país. Vencendo Lula ou Bolsonaro o que nos espera é um tenebroso passado pela frente.
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