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Um Conto de Natal (Corruptível)

Rafaelito era um menino esperto: melhores notas da sala, ágil nos esportes, dispensava vídeo games e ensinava às outras crianças tudo o que aprendeu com O Pequeno Príncipe, de Saint Exupéry.


Era vidrado nos amigos, nos professores, e sua família era mesmo santa para ele.


Aos 8 anos, o garoto vivia a mais perfeita vida que uma criança da sua idade podia sonhar: pais amorosos, uma casa confortável e tudo o mais que está ao alcance de poucos.


Rafaelito adorava o Natal, e o Natal chegou como chegariam as espinhas, já se insinuando em seu rosto pueril. Até nisso, o menino era precoce.


Instaladas as espinhas, Rafaelito começou a desconfiar das coisas, das promessas de Natal, do Papai Noel, das invenções tão necessárias à evolução da gente.


O que fazia o pai de Rafaelito para garantir o sustento da família era um mistério. Ele tinha ouvido falar que o papai tinha umas coisas lá com o governo, mas nunca quis se interessar por essas burocracias; era feliz, isso lhe bastava.


Chegada a ceia, todos os ingredientes juntos. A casa de Rafaelito era grande. Na verdade, era enorme; só a sacada, dava para fazer acrobacias com um skate sem que o acrobata corresse o risco de riscar as paredes. De tão grande, parecia não ter fim.


A casa estava cheia para festa de Natal. Todos os amigos do papai, da mamãe, alguns amiguinhos da escola, a tia Lulu, que deixou de ir à ceia da própria família para ir à de Rafaelito. O vovô Alberto saiu lá daquelas lonjuras do hemisfério norte só para estar perto do netinho querido.


Quando os presentes começaram a ser abertos, eis a surpresa: Rafaelito pediu a palavra e começou a discursar:


– Estou muito feliz com a presença de vocês, mas muito triste também. Entrei no Google e vi todas as coisas que saíram no jornal e na TV sobre a vida do meu pai. Vi que ele ajudou a desviar mais de 500 milhões da Prefeitura. Eu não sei o que são 500 milhões, mas consigo imaginar que com esse dinheiro dava para fazer muitas escolas na periferia da minha cidade, onde o filho da Dona Joaquina mora. Eu colaborei com a escola para mandar cestas de natal para crianças carentes, mas agora estou arrependido, porque o dinheiro da mesada foi, na verdade, um dinheiro errado que meu pai me deu. Estou muito entristecido, papai. Por isso, eu queria pedir para o senhor não fazer mais essas coisas feias. Eu aprendi na escola que temos de ser honestos, mas como eu posso ser honesto se o meu maior exemplo na vida faz essas coisas que eu nem entendo direito? Me desculpem; podemos abrir os presente agora.


O pai de Rafaelito era uma estátua viva. Todos espantados diante da fala do menino, não sabiam como se portar: o vovô chorava em bicas, a D. Joaquina se amparou na parede…


O pai de Rafaelito escapou como um raio rumo à cozinha, pegou da faca que ia destrinchar o chester e a enterrou no lado mais sensível do peito, vindo a morrer segundos depois.


Foi uma noite inesquecível. A polícia, o tétrico carro do IML, todos eles decoraram a noite de Natal que a família e os amigos de Rafaelito jamais irão esquecer.



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