“As coisas que acontecem em nossos próprios tempos, e que nós mesmos presenciamos, não nos surpreendem quase tanto como as coisas de tempos passados que conhecemos pela leitura, embora nem um mínimo mais extraordinárias”.
Quem sustentou essas palavras, provavelmente a bico de pena, foi um cidadão chamado Conde de Chesterfield, que eu não faço a mais vaga ideia de quem tenha sido, exceto o de ser conde, ê. O descobri lendo a biografia de um amigo, e logo me despertou para um fato que eu já supunha intimamente: coisas incríveis podem estar acontecendo, mas a banalidade de as presenciar as tornam menos maravilhosas, quando não despercebidas.
Imagine que o homem da Idade Média possa ler, no “hoje dele”, que, no hoje nosso, podemos falar num aparelhinho com um amigo que esteja no outro lado do continente; quão estupefato ficaria esse grande homem Médio: pensaria em bruxaria top de vassoura. Hoje xingamos o “papagaio metálico” se a ligação não estiver audível como uma cítara. Questão de ponto de eras.
Veja esse diálogo real (com linguagem atualizada) travado entre um palestino e um morador da periferia de Gaza lá pelo ano 31 d.C.:
- Rapaz, você viu o caso do ceguinho que foi curado por aquele carpinteiro?
- O filho do Seu Zé? Ah vi sim, normal aê... mas e aí, tu tá pegando a Sarinha, prima do irmão do meu cunhado?
Quando Galileu provou que a terra girava em torno do sol e não o contrário, quiseram pô-lo numa grelha; em vez de usar o fogaréu para fazer um churrasco em comemoração ao prodígio do homem, fizeram-no abjurar (“e pour se muove”, e no entanto se move). Abjurar é o antigo modo de fazer churrasco com ideias.
Esses parcos exemplos mostram que não somos capazes de contemplar uma revolução, a menos se ela cortar nossas gargantas, como no triste caso dos reis da França: podemos não as admirar, mas a notamos decerto. O (entre outras coisas) historiador Leandro Karnal me disse que, quando o sujeito era muito ruim (para a burguesia), era deitado na guilhotina com o rosto virado para cima, e não era para desviar a lâmina com um golpe de vista. É o que se pode chamar de visão privilegiada da morte.
Sem suma, o que não podemos é ser escravos do nosso tempo e suas delícias ou guilhotinas, que também não deixa de ser uma delícia para o guilhotinador, um pouco menos o é para o guilhotinado. Um sábio rei persa (Ciro), não querendo ver “a mais fascinante mulher de nascimento mortal da Ásia”, por medo de se apaixonar por ela, concluiu sapiente: “Não quero correr o risco, o amor é uma espécie de escravidão”. Ponto. Não para o texto, nem para Ciro, ponto para o amor, que ainda escravocrata é uma delícia de Senhor.
Escrito por Alex Menezes, às 22h49.
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