Eu devia ouvir cantar Tereza, mas Tereza regredia aos meus avanços; estocava Tereza com meu olhar, ela incluía fadiga aos meus encantos. Era Tereza a mais singela e forasteira das musas, ela me extorquia com sua presença. A cada passo seu, um pouco de mim era debitado, e eu me exauria com a existência de Tereza.
Era tão assim, Tereza, que segui-la pelas ruas do Rio de Janeiro foi a saída encontrada pelo coração em franco conflito com o cérebro. Segui Tereza pela via e vi-a cobiçada, cantada, catalogada pelos pedintes, pelos porteiros, corretores de automóveis, por bêbados, turistas e pais de família; todos a sorverem sua silhueta plenamente decorada com o bronze marcadamente mais pulsante em noites de lua clara. Entrou ali Tereza, comprimida entre seguranças, vendedores de souvenires, numa dessas casas de shows eróticos; atacado por Tereza, infiltrei-me nos ambientes, percorri correndo corredores em profana exatidão, farejei a mulher amada me valendo do vestido que usava, e não era Tereza a domar o vestido que vestia aquele corpo que julgava parecido com o de Tereza.
Acelerei rumo ao acesso de saída; contraveio por sobre mim um segurança de olhar parrudo, a comanda sem a paga, alvoroçado, dispenso em seu seio um volume de notas e já há docilidade na parrudez até ali impávida. Lanço-me com violência no passeio público, e todas as mulheres se parecem com Tereza, e há Terezas brancas e pretas e magras, Terezas transparentes, feito âmbar, e são Terezas de cristal; há-as também troncundas, Terezas puxadoras de ferro; deixo-me guiar pela intuição, e esta me leva à verdadeira Tereza, imersa num terreiro de candomblé. Olho aquela Tereza, recuso seu rosto opaco, desfigurado pelo transe da dança que prejulgo sem agouro. Chego o rosto mais de perto, e a proximidade não me dá Tereza, mas uma baiana de encantos mil; fujo dali no encalço de Tereza, aquela que me fez refutar a origem de onde vim; prescrevo uma receita, creio Tereza em esfalfo, dirigindo o passo a caminho do mar.
Lanço-me ao mar à procura de Tereza, e as braçadas espantam as ondas que apenas iam e não voltavam, fato que me fez calcular que, em pouco tempo, o mar infestaria a terra, e o ex-mar seria a terra e ali eu iria encontrar Tereza eleita, transformada em sereia, mas Tereza; não um engano, não um delírio, mas Tereza. E quando havia, em volta de mim, muito mais mar do que supunha o corpo, fui salvo por Tereza, que alinhou seu peito ao meu na inflexão do mar revolto que balouça, brada e oscila e é cova funda, e dele Tereza me regurgitou. Acordo em sólido continente, e quedê Tereza, aquela que ostenta em si o dissabor e a magia, e não está ali Tereza e são mulheres, outras mulheres em vigília, velando meu corpo nu. Delas me escondo no abrigo da escuridão, simulo pânico; em dez passos, já me unia ao breu, e clamava por Tereza, e as mulheres salvadoras de vida me tomavam por louco, por erradio, por essas coisas que se acham de um mendigo.
Cambaleava trôpego quando o inevitável sol já ameaçava dissolver a treva, até então cúmplice do meu pudor. Já estava apagada a sensação de ver Tereza, e Tereza e seu vestido e seu perfume e sua ira já se desvaneciam de mim. Usando algas como andrajo, rodo às tontas pela Avenida Atlântica, abrem as barracas os barraqueiros, caminham com cachorros as empregadas domésticas, as bicicletas desviam do que resta de mim. Encerro a caçada na calçada defronte ao teatro Carlos Gomes, observo o cartaz da atriz (as algas se desfaziam), retorno à nudez notívaga, agrido pedestres e seus pudores; embocam-me no curral dum camburão, e dele emerge odor de sangue antigo, repisado sangue, contaminado por outros sangues mais recentes. Pela fresta, vejo o rosto de Tereza, tétrica, turbulenta, trêmula e tingida, reclamando meus amores, suplicando meu perdão.
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