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Shakespeare

Pergunta: Sr. Wiliam, tudo bem?

Shakespeare: Tudo horrível e negro. Não quero ser entrevistado; quero entrevistar.

Pergunta: Muito me estima ser entrevistado pelo senhor, mas…

Shakespeare: A estima sempre fala com o melhor dos conhecimentos!

Pergunta: Sim, eu entendo, mas é que preciso…

Shakespeare: Antes ser censurado por calado do que por falado. Anda, respondes-me!

Pergunta: Mas se foi o senhor que eu ia interrogar!

Shakespeare: Ó filho estupendo que chega a causar assombro à própria mãe!

Pergunta: Sr.; com todo respeito, o senhor está citando falas das suas peças, isso é uma tolice.

Shakespeare: Deixai de andar pendurado à minha pessoa; não sou forca!

Pergunta: Receio não ser possível dar continuidade à nossa palestra.

Shakespeare: Mas homem, que te dão pouca dita se ergue e de tão pouco estrume te recolhe? Quem és tu? Um estupendo solilóquio? Lestes minhas obras por certo, mas vejo-te ignóbil em falar-me, há condolências em dirigir-te a mim sem mesuras ó alma febril?

Pergunta: Como?!

Shakespeare: Pateta! Yorick deste tempo! Não te apercebes que teu falar soa em vão como as pegas que sobrevoam os descampados? Vê-te a ti, enfermo apesar da saúde; dócil apesar dos ataques? És um homem moderno então pois?

Pergunta: Sou um homem; mais do que isso, eu não sei.

Shakespeare: Corroboras minhas suspeitas! Inflama-te com líquido estéril; a nafta que percorre tuas veias deve ser sim de insana imbeculidade, ou assim me engano?

Pergunta: Beculidade! Provém de imbéculo, o imbecil da nossa era?

Shakespeare: Por sim, se o desejas. Te aviso antes de me afetar com tua logorreia; é um desfrute para mim.

Pergunta: Sr. WS, estou me irritando com sua pessoa, tudo que eu quero é um papo sobre literatura, sobre o humano, bestialidades, sobre o infinito e me zomba assim veementemente?

Shakespeare: Corcel! Não aprendestes que da literatura não pode sobreviver nada que não o ócio, a têmpera do destino? Que invioláveis matérias dissolvidas em tédio tens a me ofertar? Supõe anarquias os meus ditos?


Pergunta: Seu linguajar poético demais, exacerbado demais, petulante demais… Shakespeare: Não te atrevas! Não creias impossível o que apenas improvável parece! Compreendes que me amolar da sensação de eternidade engendra uma apatia tresloucada que me impede e tolhe a coerência? Vilão sem rédeas! A que altitudes queres chegar se apoiando no calcanhar? Pergunta: Eu queria apenas entrevistar o senhor.


Shakespeare: Como ousas demente? Não temes ser motivo de chacota entre teus contemporâneos? Não abjetas a desonra pela imperícia de tua insolência? Ao me entrevistares, trarás a ira infrene dos teus detratores, não os de agora que são inócuos, mas os do futuro, que são ferrenhos. Que pobre idiota que és tu, bispo sem sobrepeliz.

Pergunta: Eu ouso decerto, mas ousar não é fraquejar. Podemos começar a entrevista?

Shakespeare: Cretinas asas de Mercúrio que não me carregam! Podes eventualmente buscar para mim um elixir negro de frasco incolor? Não podes entendo. Tua imperícia me obriga a farfalhar, a zombar, a trombetear com mil algazarras da tua cara cruenta e ordinária! Fostes aberto ao meu gênio; devias desconfiar dos resultados. Esperas milagres onde só pode ocorrer constipação. Vai, deixai-me ir ao encontro de Afrodite.

Pergunta: Vai!

Shakespeare: Irei; tumultado de sorrisos e prévias, de tua honra maculada, de que me vale um retorno se não for este para um embuste? Que te apanhas em devaneios, não se pode perscrutar nada, tua lisonja me fascina, assim como a toleima me dilacera, cai aí intacto; é desta fonte que não podíeis mais beber. Insano, ingrato, prestidigitador!

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