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Franz Kafka

Pergunta: Sr. Kafka, parece que sua adesão ao Sionismo influenciou seus últimos textos. Entende que o conceito iniciado no começo do séc. XX da “arte pela arte” pode ter sido afetado pelo engajamento religioso da sua obra?

Kafka: Sobremaneira. Entendo que a arte deve ter um atributo moral, religioso, político. Ela absorve da vida a matéria-prima necessária para existir. Por isso não vejo conflitos. Arte e vida se combinam e se amparam, é dessa transição ilusória que se alimenta o artista.

Kafka: No conto “Um Artista da Fome” o senhor projeta na figura do jejuador a expressão da fragilidade humana diante da própria condição humana. Poderia comentar?

Kafka: Não tenho uma lembrança memorialística desse texto, apenas uma lembrança sentimental que é parcial, inconclusiva, portanto fica prejudicada uma análise apurada sobre ele.

Pergunta: Mate uma curiosidade. O inseto a que você se refere em “A Metamorfose” é uma barata? Sei da banalidade do fato, mas… no Brasil tem até uma versão assim: “Ei barata vem cá-ficar comigo…”

Kafka: O inseto é um corpo complexo, destituído de formas e símbolos. O ambiente é o inseto onde se inseriu de forma doentia o gênero humano.

Pergunta: Acho que entendi. Você se desfez da vida jovem em 1924. Se tivesse vivido mais 14 anos poderia ter o destino que tiveram vários judeus austríacos com a ascensão do Nazismo. Como o senhor vê o colapso da civilização durante a II Guerra e o papel dos judeus na sua tragédia?

Kafka: O instinto de nação se sobrepõe a todos os direitos alheios. Pertencer a uma tribo equivale, no meu modo de ver, a um farol que guia um navegante num mar com um céu sem astros. Os judeus são parte integrante de seus dissabores pela trajetória nômade de sua existência porque não souberam dosar sua influência cultural com o poder que acumularam. O fato de sua peculiar cultura religiosa na crença de um Deus uno nunca foi bem recebida ou entendida antes do Cristianismo e até após ele. Sua particularidade religiosa os tornaram párias em seu próprio continente. Não admira que poderiam ser perseguidos em épocas futuras, pelo acúmulo de ódio e incompreensão que amealharam. Isto é presente em todo folclore oriental, como na lenda de Judite e o rei Holofernes. A culpa pelas tragédias é sempre da existência, quase nunca do indivíduo.

Pergunta: O senhor inaugura uma poesia em prosa surpreendente ao tirar o homem do centro das ações e colocar o sistema opressor da burocracia como personagem-símbolo de sua mitologia. A burocracia é um monstro sem alma?

Kafka: É uma quimera indomável. É curioso que ela tenha sido criada justamente para regular a vida em sociedade, que seria insuportável sem ela. Mas é igualmente curioso como ela aliena e esmaga o mesmo objeto que intenta proteger. Talvez Saturno tenha tido a impressão de que protegia seus filhos enquanto os devorava. A história não faz mais do que repetir a história.

Pergunta: Max Brod, seu biógrafo e herdeiro literário acabou por desobedecer sua ordem e não queimou sua obra. Guarda algum rancor do amigo ou isso foi um mero golpe publicitário criado por ele?

Kafka: Exceto por meia dúzia de páginas, eu não enxergava qualquer valor na minha criação literária. Era uma questão de vaidade. Não gostaria de ser ridicularizado postumamente por livros que não tivessem valor. Eu pedi para que [Brod] queimasse tudo.

Pergunta: Um grande escritor brasileiro [Rubem Fonseca] diz que você é bom porque não escrevia para ser lido. Concorda?

Pergunta: Todo escritor é um excêntrico ególatra. O ato de escrever encerra em si mesmo essa vaidade desmedida, é o desespero ridículo do homem em querer lutar contra sua insignificância e sua finitude. Eu escrevia em nome da angústia, não escrevia por prazer, mas para incinerar os demônios que se revolviam dentro de mim.

Pergunta: No romance “O Processo” paira a dúvida do suposto crime de Josef K.; eu acho que ele deve sim ter cometido um crime e que o primeiro parágrafo do livro “Alguém certamente havia caluniado Josef K. pois uma manhã ele foi detido sem ter feito mal algum.” é um dos maiores engodos da literatura universal.

Kafka: Infelizmente, ao contrário do que se pensa, não foi que não tive tempo, não tive interesse em terminar a obra. Como disse Pilatos, o que escrevi, escrevi. Na há verdades em literatura, há esgotamento, tédio, desafeição. Se há enigmas na composição do livro cabe ao leitor manter o enigma enigmático.

Pergunta: Hoje, 86 após seu desaparecimento, parece que o estado das coisas permanece sombrio do ponto de vista da calamidade humana. Há esperanças?

Kafka: Sim, há. Menos para nós. Nutrir esperanças é um abuso tão eloqüente quanto aspirar tocar o espírito no mundo material. Aliás, o que chamamos de mundo físico é na verdade o mal do mundo espiritual.

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