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Tiradentes, Inconfidente

Pergunta: Caro senhor Joaquim, o senhor virou o único herói do Brasil, com direito a feriado no calendário oficial. Parece uma espécie de Cristo tupiniquim.


Tiradentes: Heroísmo pressupõe dor, e me doeu além-mar ter lutado pela liberdade e pela autonomia da colônia portuguesa. O que se fez do país desde a minha ausência?


Pergunta: Pouco e muito. Pouca organização e muita apatia.


Tiradentes: Mas apatia!? Meus contemporâneos não tinham esta faculdade. Antes, eram serelepes e ágeis em tumultuar, trair, esganar, trucidar os amigos e, com a mesma corda, os ideais…


Pergunta: Receio que o senhor tenha apenas repetido um modelo póstero e anterior.


Tiradentes: Muitos se rebelaram depois de mim?


Pergunta: Sim e não. Os efeitos da sua luta só se efetivaram 30 anos após sua morte, em 1822.


Tiradentes: Ainda que tardio.


Pergunta: O papel de Joaquim Silvério dos Reis foi relevante à sua captura e posterior delação dos demais inconfidentes?


Tiradentes: Não reputo isto possível. Os homens são instrumentos da História. Este Leiria Grutes [sobrenomes de Silvério] apenas preencheu tristemente a lacuna das convulsões do momento.


Pergunta: Não é uma ironia saborosa que ele tenha sido premiado, além do pagamento de dívidas, com 30 moedas (só que de ouro) pela traição?


Tiradentes: De ouro! Isso me faz deduzir um valor que excede minhas virtudes. O outro [Judas Iscariotes] tinha uma missão de aniquilar um projeto divino, eu queria tão somente restaurar a ordem de uma periferia insular, menos ainda, queríamos apenas libertar a nossa Vila [Rica]. As moedas de ouro são um escárnio à própria causa.


Pergunta: Valeu a pena lutar para libertar uma nação cujo povo é insalubre para si mesmo?


Tiradentes: O Brasil regurgita e profigla [arruína, destrói] o que recebeu da matriz européia. Neste processo é natural que a purificação seja dolorosa e lenta. É provável que, ainda que aja por transpiração, o povo desta nação supere a espoliação que sofreu castigando a mesma pele que acarinha e ama. Uma nação parece um organismo vivo e dinâmico, que se contrai nas dificuldades e se descontrai nas irrelevâncias, mas é na verdade um permanente conflito entre o simples existir e o saber existir.


Pergunta: Não sei se no seu tempo era assim, mas hoje a memória do brasileiro é curta… corre uma piada que um pai pergunta ao filho quem foi Tiradentes, e a resposta do filho: um feriado!


Tiradentes: Não precisamos de memória para construir um país. O passado responde por seus atos e se encerra nos limites do seu alcance. Também é verdade que a indignação dura o exato momento da necessidade de se indignar. Depois é átrio baldio.


Pergunta: A Inconfidência Mineira acelerou os anseios libertários do Brasil e o senhor passou de traidor a mártir da República.


Tiradentes: Fui traidor da metrópole, não do lugar que intentei libertar dos grilhões da Coroa que enxergava na colônia um rego extrativista.


Pergunta: O senhor foi o símbolo da revolução porque entre as dezenas de líderes do movimento, foi o único que contribuiu com a vida. Sua condição social inferior à dos demais rebeldes o condenou?


Tiradentes: Pode ter sido. A origem de um homem pode ser o fardo mais espinhento que ele pode ter de soerguer pela vida afora. A luta salva, o silêncio empobrece a alma, todas as almas, pobres e ricas

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