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Sangue Bom

Parece expressivo que o mundo que nos cerca produza as mais saborosas joias fonéticas, mesmo quando oriundas da lama oral. Se o leitor é dado a indagações desprovidas de filosofias tolas, entenderá o que direi em mais dois ou três segundos de leitura. Por que a pressa? Ajeite-se na cadeira, pegue um cafezinho e feche as janelas do vestido e a do o outlook.


Veja se não valerá a pena meio segundo de insedução: antes os ditos provinham da pena de poetas, escritores e outros bichos menos exóticos. Quem não se lembra do e agora José?


Com açúcar com afeto era dito para dizer que se ia fazer uma coisa “no capricho”.


Não sei no que Tom Wolfe pensou quando criou o termo fogueira das vaidades: em nenhum idioma seria possível criar algo mais genial, pois se auto explica e até se sente o significado.


Ao vencedor, as batatas parece não ter resistido ao tempo: outro dia, testei-a, e a pessoa me olhou transformando a face numa troncha e medonha interrogação.


Martins Pena, teatrólogo, fundiu na nossa cultura o famoso rasgar ceda, numa peça em que um vendedor de tecido galanteia demais uma moça e ela diz para ele: não rasgue a ceda, que esfiapa.


Já percebeu, leitor dos sonhos, já percebeu que boa parte do que se fala hoje provém da linguagem de presídio e outros endereços menos soberbos? Não quero discutir aqui a riqueza lexical produzida nas celas. Camões escreveu Os Lusíadas meio preso, mas felizmente nem todos os presos do mundo são dados a poesia, apenas um ou meio.


CORRERIA. Termo muito bonito, uma flexão desajeitada de “correr”, mas correria funde o que se quer expressar com o ato genuinamente presidiário; não estamos mais na pressa, e sim na correria.


SANGUE BOM. Aparentemente surgida nos anos 80/90, dentro das cadeias, era meio feio chamar um sujeito de sangue bom. Hoje reabilitada, a gíria é nome de novela da Globo, que em tese também é um tipo de prisão intelectual, por isso não espanta nem constrange.


DE BOA. De origem misteriosa, não se sabe se nasceu nas ruas e se ergueu nos presídios, mas que dá no mesmo, vez que as ruas também são prisões ao ar livre. Falar de boa causa uma certa comoção no falante, sobretudo se ele é ilustrado, o que denota a falência da esperança.


DAR LINHA: outra gíria curiosa e rica. Qualquer poeta a poderá incluir num soneto.


TOCAR O FODA-SE: essa tem o carinho e a gênese das grandes invenções. Ainda não é tão corrente nas altas rodas, mera questão de tempo e de algum deputado ou celebridade dizê-la em cadeia nacional. Cadeia nacional é uma espécie de jaula sem grades, o que é uma pena.


É claro que muitas mais há, mas eu não vou ficar aqui enchendo-o com essas aporrinhações abstratas. Só reajo para o fato de o fenômeno ser um sinalizador de fases da sociedade brasilicida. Ops, eis aí mais um termo que tenho certeza que não vai pegar; primeiro, porque não estou preso (ainda), e nem tenho planos de parar numa novela ou no senado, cruz credo.

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