O cantor Roberto Carlos fez uma coisa que me desagradou muito. Não, não são suas músicas novas, de sabor auditivo estranho, insossas como água sem sede.
1. Proibiu 1 milhão de reais em honorários advocatícios depois que sua biografia, altamente favorável a ele, fosse vendida;
2. Vai queimar ou reciclar 10 mil e 700 livros.
A fogueira ou a reciclagem. São destinos indignos para livros; maus e bons. Não pode. É um crime. O livro é o pilar onde se assenta toda a razão, toda a fé, toda a transmissão de conhecimento que tornou possível a ele envergar um microfone e se tornar o que é. Corta essa, Roberto.
Roberto é um homem cheio, repleto, eivado, completo, abarrotado, transbordado de idiossincrasia, aquele fenômeno que faz as pessoas terem um modo peculiar de enxergar as coisas, como por exemplo apertar o tubo de creme dental na ponta (jamais no meio!), sair pela mesma porta que entrou, em suma, é um tipo de mal que não o acometeria se ele fosse, digamos, um operário que chacoalha no trem das três. Idiossincrasia é o nome cientifico da frescurocrasia. Incomodados com o meu termo, que estava por nascer, rebatizaram o treco para TOC --- Transtorno Obsessivo Compulsivo, que pega bem e requer atenção dos CRMs.
Ele praticamente não sofreu com a repressão e a censura da ditadura em fins dos 60, todo os 70; como o covarde do Pelé, silenciou ante as atrocidades do regime. O máximo que fez foi criar versinhos, “Obrigado Senhor/mesmo que eu chore”, ou a bela que fez para o Caetano no exílio: “Um dia a areia branca/ seus pés irão tocar”. Foi pouco. Foi nada perto do que poderia fazer. Não queria correr o risco nem perder o status de ser “o bom moço da juventude”. Muita gente morreu para ele poder ter o direito de cantar suas músicas sem passar pelo crivo de um censor.
Gosto do Roberto; fui criado ouvindo suas canções de amor e desamor; devo ter de cor umas 400 letras de músicas suas na ponta da língua --- ponta da língua que eu desconfio ser o maior órgão do corpo, uma vez que cabe nela centenas de músicas e muito mais. Mas ele se tornou uma pessoa estranha, modificada pelo imenso sucesso ou pela dor: três de suas esposas morreram de câncer, e nada mais nocivo para um homem do que a dor e o sucesso.
Os livros foram recolhidos para um depósito. A Santa (?!) Inquisição queimou muitos livros, os romanos ajudaram a destruir a mais esplêndida biblioteca da Antiguidade (a de Alexandria), que continha manuscritos originais de Aristóteles, Euclides e a Et Cetera magna da sabedoria humana de então; os nazistas fizeram idem no século XX. São crimes que não merecem perdão. Se acaso ele queimar os livros, será um detalhe muito grande para esquecer, e a toda hora vão estar presentes, vocês vão ver.
Escrito por Alex Menezes, às 23h39.
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