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Processando o Divino

O genial Ernie.


Dentre todos os artistas necessários à manutenção da civilização, não há outro mais inventivo e divertido do que o político; não há. Por mais que sua imaginação o remeta a nomes célebres na arte do riso, nenhum deles superará em graça e leveza a genialidade sarcástica tão somente possível na aura do político. Não há pundonor mais extraordinário. É muito triste, caso eu decepcione-o; mais triste será se você suspender a leitura aqui por prejulgar que tratarei de política, coisa mais hostil.


Um senador do estado norte-americano de Nebraska, Sr. Ernie Chambers, perfez o que, até então, nenhum gênio humorístico podia cogitar. Ernie quer processar Deus. Simples assim. Processar Deus por todos os desastres ocorridos no mundo, desde os furacões, que reabilitam a terra purificando-a de um bocado de humanos, até as doenças e fomes que também purificam, só que de um modo mais violento, porque lento. A ideia é brilhante.


O digno senador não informa pormenores sobre como irá proceder na ação civil-penal contra Deus, como se dará a intimação e a citação, oitiva de testemunhas, se Ele comparecerá ao tribunal, se o Estado indicará um advogado para defendê-Lo, essas coisas. Esse detalhe, aliás, é curioso: quem defenderia o Todo Poderoso num processo de tal monta? Se a coisa é, como entende Machado de Assis, que o mundo é uma ópera e que Deus é o poeta e a música é de Satanás, encontramos aí uma faísca, quando não uma pista, para compreender porque chegamos a esse ponto, essa necessidade de processar a Deus.


É interessante que os argumentos do senador para ajuizar a ação contra Deus, citá-lo, intimá-lo etc., goza de certos preceitos sofistas, sejam eles: a conhecida onisciência e onipresença do Maestro Supremo, sinal claro de que não haverá os corriqueiros casos de injustiça, uma vez que Ele não será condenado à revelia, saberá e estará a todas as prescrições judiciais. Em caso de condenação, qual seria a pena? Reclusão? Detenção? Indenização? Sendo Ernie o propositor da ação, podia pleitear um cargo nas esferas celestiais, ou infernais, se também for verdade que TUDO foi criado pelo Réu...


Claro está que a sanidade do encantador Ernie ainda não foi posta à prova, mas querer salubridade de quem se envolve com política é um ato ainda mais extravagante do que sê-lo; mas vá que o homem tenha o apoio do perfeito equilíbrio mental para ingressar com tão voluptuoso intento, vá que ele encerre dentro do crânio esta luz que, em vez de a entendermos luminosa, logo a cremos humorística, e assim, nesta ação, esteja a solução ímpar e impensável para todos os flagelos da Terra?


É bastante compreensível que Deus, aparentemente, não tenha se sensibilizado nem com lamentos, nem com rezas, datas festivas, edificações de igrejas, muito sangue, fundações de religiões, uma ou duas guerras, vá enfim atender aos apelos terráqueos e num golpe de mágica curar enfermos, cessar furacões, censurar a morte, ou concentrando tudo numa palavra, interceda. Tudo é possível.


Sentimentalmente prejudicado, eu me deixo estar entregue à rara prática da compreensão. Mister Ernie deve ser um bom homem, bom pai, filho amoroso, ter virtudes que lhe garanta um busto ou votos que são bustos autenticados pela democracia; mas, apesar de tudo isto, ele é apenas um homem, de espírito altamente esclarecido, é verdade, mas tal atributo não lhe dá supremacia sobre-humana, só um pouco de holofote e o desperdício do seu o do meu tempo, que provavelmente podíamos utilizar melhor. Deus nos abençoe e perdoe.





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