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O Valor de Uma Modelo

A modelo Kate Moss declarou ao hebdomadário inglês The Independent que a carreira de modelo danifica o cérebro; logo após, fez uma conveniente correção dizendo que a profissão dá dinheiro, o que tecnicamente compensa a lesão no órgão. Entre o dinheiro, que também é um bicho santo, e a saúde cerebral, eu nem titubeio: vou direto para o pote que, se estiver sempre cheio, não deixa a gente padecer de moléstia alguma, exceto a doença da morte, transtorno interino, posto que o dinheiro ainda não foi elevado à condição de deus (pelo menos por mim), é apenas um santo. Quando ele, dinheiro, for alçado à divindade suprema, eis extirpada toda a morte.


Não é só a carreira que as modelos nasalmente seguem que perfura o tecido cerebral; muito mais coisas magoam este misterioso e compacto conjunto neural que rivaliza em complexidade e sedução com o Universo, sobretudo quando o tentamos compreender.


Algumas pessoas já detectaram que eu cativo um ódio demoníaco pela profissão de modelo --- acho-a torpe, irritante e desnecessária. Ao primeiro capitalista que me disser que ela gera riqueza para a “indústria da moda”, logo direi que a das armas e das drogas também faz mover as economias e os necroscopistas, e, no entanto, não deixa de ser detestável, pelo menos do ponto de vista prático e para parte da população que se julga sadia (etnia em que obviamente não me incluo).


Pouca via, já ensaio enfiar a Srta. Moss no meu seleto panteão de heróis, tal é a fineza de sua declaração, brandura que só encontra símile na aristocracia ignara do mundo ou entre poetas, de preferência os maus, que só tem uma virtude, a de permanecer calados.


Adicionarei as rotineiras preocupações que tenho com o preço do barril de petróleo tipo brant com a carreira (profissional) de Miss Moss; quererei saber tudinho sobre a moça, do decote à preferência gastronômica; imediatamente torço para que ela não seja filiada a nenhuma religião exótica (cientologia pode), porque, caso seja, lá estarei de novena em punho, bradando qual pregador a nova fé, ainda que nesta hipotética doutrina não careça de crer em nada, possibilidade que me fará um sacerdote sem credo, mas com ações na bolsa.


Garanto que, se quase todos os profissionais falassem com igual franqueza e rigor sobre seu ofício, desapegando-se dessas noções primitivas de corporativismo, podíamos pensar em proclamar uma nova era de prosperidade. Eu, adepto incontornável dessa nova fé, o mossianismo, poderei no futuro dizer que não fui salvo da ira da falta de sentido do mundo por nenhum filósofo pré ou pós socrático; uma simples modelo fez reagir meus neurônios como nenhum compêndio erudito seria capaz de fazer. Obrigado, Kate Moss. Mandarei esculpir uma estátua de xilocaína em sua memória, assim que encontrar alguém que aceite sem restrições sua nova profissão de fé.





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