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O Sobrevivente



Estava enfermo.


Concluiu com grande torpor a tarefa de elevar-se do leito já úmido, e de lá espiou a janela, e dentro dela jazia uma lua brilhante, tão luminosa e densa que esvaziava o próprio céu.


Contemplada, a bela lua deixou-se estar lá arriba, maturando seu vagar, simulando inércia. Na terra, o homem debatia-se com o corpo, que teimava em mover-se; apesar da sofreguidão, mantinha-se ali, e a morte não lhe vinha prestar auxílio.


Os movimentos lentos, as ataduras atas, o soro a pingar, e era dorível o ato quase comum de viver.


Na brecha da porta, dois palmos do corredor eram o seu recreio natural; as macas e as gentes mancas, moinhos de penúrias classificadas por tipos, aspectos e cor que a ciência emprega para facilitar o manejo. O globo ocular oscilava entre a vista e um espectro, possível afronta da chaga a lhe sorver um dos sentidos; trepava à grade da cama, como a caçar uma esperança, e só vislumbrava mais clamor.


Cansava, reerguia o corpanzil aquiescendo ao pedido da gravidade, que o atraia para o infinito e ele a ela atendia, como num impulso natural, esse ato de transpirar. Vergado, empilhava sobre si anos e décadas de maus adornos, como se o existir carecesse de mais um ato solene, e aquilo era um cerimonial obsequioso, burocracia que precede as sensações.


O ambiente, o estetoscópio, o aroma que emana como se o hospital fora um jardim (e o era) desfalcado de delícias. Ali limitado, pedia a eutanásia e não havia quem a pudesse cometer --- crime que pede cúmplice, ato que hostiliza a solidão. Soergue-se novamente do leito, computa a dor, calcula e pré-diagnostica a extensão da lesão, e percebe que infalível é a queda quando o chão se precipita em direção à cabeça.

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