Outro dia, conversando com um amigo advogado, o senti cabisbaixo:
- Algum problema?
- Meu cliente perdeu a causa.
- Mas o que houve?
- Pensão alimentícia. Para a mulher.
- Coisa alta?
O relato do meu amigo foi desolador. Era assim composto o quorum na sala de audiência: membros do Ministério Público: mulher; testemunhas: duas mulheres. O juiz? Uma juíza. O assistente da juíza? uma assistente.
Após analisar o perigo da situação, o advogado disse ao cliente, prevendo o pior:
- Meu amigo, é melhor a gente fazer um acordo, e rápido.
- Por quê? - perguntou o cliente, já sentindo uma dor aguda no bolso, e essa dor a gente sabe, dói muito.
- Vai por mim.
O casamento era daqueles à moda antiga; o marido, macho feito um, digamos... macho, proibiu a mulher de trabalhar:
- Mulher minha não trabalha! – teria dito ele na época: 1964.
Então assim se deram as núpcias. O marido-macho lá no batente, a expelir as fragrâncias da sua macheza em meio a ferramentas ou a pincéis, se artista fosse; a mulher-marida-de-um-macho ficava em casa, “cuidando do lar e da prole” – como constava nos autos.
Pois bem, mesmo casamentos assim, ungidos com a graça divina deste modelo infalível, tendem a fracassar. A mulher-marida-etc. dedicou toda sua vida e juventude ao bom marido, renunciando a uma carreira promissora, independência financeira, etecetera.
- Não tra-ba-lha! – continuava a dizer com orgulho: 1972.
Separação de corpos já definida, divórcio idem, o marido-etc. já pagava a pensão para os dois filhos-prole. Filhos adultos, pensão suspensa, a mulher rateou:
- Como assim acabou? Quero uma pensão para mim.
A mulher que não era boba, consultou um advogado:
- Claro que você tem direito, ló-gi-co. – como diz aquele advogado que promete vitória até num litígio com Deus.
Mas o marido, saudoso daqueles bons tempos, prosseguia firme, menos firme, talvez.
– Se eu tivesse casado hoje, talvez ela trabalharia: 1989.
Sentença proferida, a juíza, maviosa na arte de julgar, negou todo e quaisquer pedidos do marido para a redução do valor solicitado pela mulher, alegando que não seria possível a ela prosseguir sua vida sozinha, já que havia dedicado seus melhores anos ao esposo e à prole. O marido esperneou o quanto pôde; não queria ver uma hemorragia dolorosa como essa, que acomete os bolsos sem chance de ser estancada em curto prazo; e atento à boa saúde da ex-mulher e calculando que a sangria ia jorrar por muitos anos, gemeu calado.
As testemunhas, a juíza, a assistente desta, e as membras do MP só faltaram chorar ao ouvir o triste relato da triste esposa, ferida, desamparada, lenço em punho, contando em minúcias as agruras que sofreu depois de 30 e tantos anos de união.
- Vãobora daqui, rapaz; aqui tem sentimento demais e pouca justiça. – concluiu o sábio doutor, no que seu cliente arguiu:
- Se ela soubesse o sofrimento e a dureza que é pegar no batente, não faria uma miséria dessa comigo; ela devia ter trabalhado. 2006.
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