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Nós Amassamos o Pão do Diabo

Tenho particular interesse em saber a origem de certos ditados populares. Entre os tantos, o que mais me chama atenção e fascina é o danado do PÃO QUE O DIABO AMASSOU. Ora essa, até onde somos informados, o Diabo nunca fabricou pão algum (sequer tem profissão!), exceto o pão da discórdia fermentado no Éden, mas esse tipo de panifício não é exclusividade dele; muitos de nós o produzimos diariamente em abundância.


Em regra, as pessoas não gostam muito do Diabo e, pelo que se tem visto no decorrer da história, o sentimento é compreensivelmente recíproco, mas imputar a ele talentos que o dito-cujo não possui receio ser é uma deselegância sem tamanho. Não quero aqui traçar um perfil psicológico dele nem redigir-lhe uma peça de defesa, longe disso, mas fica evidente que é um sujeito recheado até os cornos de conflitos existenciais, dilemas morais, doses mortais de culpa e afins.


Eu até compreendo as razões do Diabo ser diabo.


O livro bíblico do profeta judeu Ezequiel (Ezequiel 28:12 a 19) exorta as extraordinárias qualidades do "querubim edênico arruinado", o comparando a pedras ultrapreciosas e a primícias raras, de como ele trocou sua excelência entre os sublimes do Senhor para uma existência marginal, com um futuro igual ao que têm os traficantes do Rio de Janeiro. Até que um dia foi enfim desalojado do céu e condenado a viver na periferia do Universo, o conhecido e conturbado planeta Terra.


O Diabo é um sujeito curioso. Não tem nome que o identifique formalmente. É simplesmente Diabo (do grego "caluniador") ou Satanás (do hebraico "opositor"); mas esses são seus apelidos eruditos, que incrivelmente se tornaram pop. Ele é popularmente Tinhoso, Coisa-Ruim, Canhoto, Belzebu, Excomungado, Sarnento, Ferrabrás, Lúcifer, Mequetrefe, Mefistófeles, Cão, Chifrudo, os carinhosos e até íntimos Demo e Satã, Dos Quintos, Lá de Baixo, Príncipe das Trevas, Tranca-Rua.


Convenhamos, é muito nome feio. É muito insulto acumulado durante eras. E parece que ele sofre calado. Por muito menos um profeta bíblico (Eliseu), que fora xingado simplesmente de "careca" por uns meninos, fez com que uns ursos os devorassem como a hambúrgueres que andam e gemem. (2º Reis 2:24).


É natural que uma ou outra calamidade que assole a humanidade seja rapidamente depositada na conta sem fundo do Capeta (esqueci o tradicional "Capeta"!), o que juridicamente absolve Hitler, Mao Tsé-Tung, Stalin e até os governantes de Santa Catarina que não tomaram medidas preventivas para evitar a tragédia anunciada, e parece (tenho quase convicção) que os eleitores elegem pessoas para as governarem, e não o diabo --- o que, em tese, tem dado no mesmo.


Tivesse ele um fiapo de consciência, procuraria um analista. Falaria sem acanho dos maus tratos que sofreu no decorrer dos séculos, da necessidade de viver na luxúria e na soberba (porque nem mesmo ele é de ferro), da vontade de criar um partido de oposição apesar da perplexidade de seus companheiros anjos, uma vez que o partido da situação regia com notável esmero e eficiência todo o complexo sistema que fundiu o homem ao ambiente, o ambiente à natureza, a natureza aos desejos, o desejo à concupiscência --- e aí foi onde tudo se lascou para nunca mais se consertar. Se o homem vivesse num mundo em que não existissem desejos, isto não seria o mundo, mas sim uma sucursal do céu; mas parece que o povo lá de riba não gosta de concorrência.


O diabo é pura e simplesmente uma comédia abstrata, em que o espectador, em vez de morrer de rir, ri porque tem de morrer e fim.





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