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Novas Regras, Velhos Vícios


Ultra aequinoxialem non peccari. É isso aí; não existe pecado aquém da linha do equador. Quem cunhou este epifonema não sabia ou não desconfiava que, aqui embaixo, os pecados não só se praticam por atacado como são adaptados às necessidades vigentes. O peccari da vez é a alteração normativa do idioma nascido acima do equador, importado para cá, depois suavizado pelo clima e pela inocência nativa e que agora sofre uma transmutação, um enxaqueca sintática, para o fim inócuo de tentar unir os povos lusófonos, como se a barreira fosse apenas idiomática e não ideológica e econômica.


Até quando puder e quando não também, usarei "idéia" assim, com esse acento que dá vida ao 'e' e lhe outorga graça e beleza, não o vazio ideia que me deixa em prantos e sem inspiração; o meu vôo terá o chapeuzinho, essa alça que simula corda de pára-quedas, suspensa na página ou na tela e que fica ancorada na imaginação. Quanto à abolição do hífen, nada contra; já era ora, quero dizer, hora de ele ser alforriado; que é isso de ficar preso entre palavras, como auto-retrato? "Autorretrato" fica mais correto, é até capaz que o sujeito que se autorretratou fique mais galante, sem prejuízo à fisionomia precária que mor parte das pessoas possui, eu incluso. Minha auto-estima não mudará por ação de uma barrinha que quase nunca se sabe quando deve ser usada. Pela nova regra, "super-homem" continua assim; mas "superamigo" não tem mais um separador que o desuna.


O popular "feiúra" perde o acento no 'u', mas nem por isso a pessoa há de ficar mais bonita, e parece que o mundo seguirá. Anote aí: paroxítonas com is ou us tônicos precedidos por ditongos perdem o acento e o charme; mas quem há de se importar com uma tão exótica mudança? Eu mesmo não irei. Se o brasileiro médio, exceto você, dulcíssima leitora, mal lê placas de ônibus, irá se importar se há ou não acentos nas palavras? Por Júpiter com acento! Eu tinha um amigo que escrevia "feigão" assim, com "g", sem suspeitar jamais que o "j" se equilibra com mais furor e jeito do que o intrometido "g" nesta palavra deliciosa, sobretudo quando ela, feijão, reencarna em grão e é cozido com amor de mãe, ou de vovó para os mais saudosistas.


Uma coisa interessante é o trema. Caiu. Foi-se. Caiu na burocracia ortográfica; na desburocracia da língua falada, continua vivo e vivíssimo: quem há de deixar de falar lin-güi-ça para o horrendo "linhiça" se o h se prestasse ao papel de reproduzir seu som verdadeiro na palavra? Não haverá nem a necessidade nem a audácia, porque a língua que jorra nas bocas está anos-luz (com ou sem hífen?) daquela técnica, não raro enfadonha, escrita em manuais, contratos e diários oficiais que não oficializa nada além do oficial emaranhado de engodos.


Oficialmente, ainda temos 4 (quatro) anos para usar o idioma escrito conforme as regras antigas; até lá, nada de eu escrever voo, creem, jiboia, polo, pera e a et cetera; primeiro, terei de ensinar o corretor do Word. Mas como sou do tipo que obedece regras antes que o chicote faça sulcos no meu ombro, irei adotar como puder a nova regra; faça-o também, porque coisas há no mundo que não podemos fugir.


Ésquilo, o grande dramaturgo grego, obedeceu como pôde o vaticínio de um oráculo que lhe informou que ele morreria com uma casa, que lhe cairia na cabeça. Obediente, o escritor evitou andar pela cidade, indo viver no campo, mas uma tartaruga, espécie de casa que anda, caiu das garras de uma águia sobre a cabeça do artista, não apenas o matando, mas cumprindo a profecia funesta e deixando o exemplo de que nem com deuses nem com membros do governo que nos impõe regras vale a pena lutar.


PS: Bom início de ano a todos; apesar das agruras de 2008, se você me lê, é sinal mais que suficiente de que sobreviveu a ele, o que já é um grande feito; o resto é acessório. Em 2009, vai ser aquela ladainha de crises, injustiças e o mais que todos os anos produzem, mas quem se importa? O que queremos mesmo é superá-lo e reclamar ou felicitar 2009 em 2010. Os aguardo lá, só peço que não dê ouvidos para profecias, principalmente as feitas pelos economistas.






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