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Imagem e Ação


Outro dia mostrei um verso de William Blake para uma menina (queria impressioná-la) e ela falou “legal”. Legal. Tentei um do Mario Faustino. “Legal esse”. Apelei para Casemiro de Abreu, Quintana. “Bonito esse”. Tentei Alan Poe. O Corvo. Senti na voz roufenha dela um leve tremor no trecho....


The angels, not half so happy in heaven,


Went envying her and me


(E os anjos, menos felizes no céu,


Ainda a nos invejar...)



... e de repentemente, ela me censura a dizer que isto não era o famoso O Corvo, mas Annabel Lee, e aí, neste instante, pressenti a chama da salvação.


Dia desses em visita ao Masp (de onde saí com as telas apenas na retina), um casal observa um Renoir: menos observação que cobiça. Ela desdenha o tema da tela, ele não vê justificativa para tantos milhões. Eles não foram piores; o mestre francês não foi vitimado com um “legal”. Nalguns casos é preferível o desdém à indiferença. Menos nos casos de amor, nas crises, erroneamente se traduz um deles por esperança.


Todo esse indicativo de irrelevância tem seu charme quando posta em pé de igualdade com as necessidades do nosso tempo. Somos a era da imagem – em movimento. Jornais, revistas, esta coluna, nada rivaliza com o que passa na TV. Leituras carecem de ação, disposição, concentração. TV só requer sofá e o belo ócio, órgão abundante que se transplanta por osmose e telefone, motivo pela qual não há notícia de filas no SUS.


Outro dia, quando minha impressora pediu arreglo (o corretor automático do computador acha que arreglo se escreve sem o L, bicho analfabeto), senti saudade do mimeógrafo. Quando minha professora de OSPB (acabo de denunciar a idade?) pedia para eu ir tirar cópias naquela máquina maravilhosa, me sentia importante, era a primeira vez que me sentia importante na vida, até ali curta, e depois, graças aos livros, entendi que não é importante ser importante, exceto para os comedores de Big Mac.


Acaba aqui, ok? Jamelão precisou morrer este fim de semana, porque quando a morte se instala no corpo é difícil dissuadi-la da opinião que tem, de que é necessário morrer para continuar vivendo numa forma que nós só especulamos, mas não entendemos. Chico Buarque, de Paris, disse que o velho Jamelão era “o melhor mau humor do Brasil”; emendo dizendo que o humor da morte, por sutil que seja, continua sendo grosseiro.


"Habitada por gente simples e tão pobre/ que só tem o sol que a todos cobre/ como podes Mangueira cantar?/ pois então saibas que não desejamos mais nada/ a noite e a lua prateada/ silenciosa/ ouve a tua canção/ bem lá no alto o cruzeiro/ onde fazemos nossas orações/ e temos orgulho de ser os primeiros campeões."




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