Algumas máquinas criadas pelo homem não têm coração. A começar pelos ambos elevadores do meu prédio. São uns malvados. Podiam figurar como vilões num filme policial. Todos os dias, vejam bem, TODOS os dias que chego em casa, vindo da escola e em pó pela jornada diária, os bandidos nunca estão no térreo. Combinam os sacanas. Veem-me chegar pelo circuito fechado e dizem um para o outro: “ele chegou, vamos subir!”; outro dia, os flagrei pelo monitor do porteiro, os botões piscando, como que comemorando o êxito da traquinagem.
Não são apenas os elevadores que não têm sentimento de compaixão. Escadas rolantes, catracas, calculadoras solares, celular quando precisa, espingarda de frente para um onça; vai longe a lista. Dias desses, voltando do futebol, moído de tanta pancada (o corpo só continuava unido graças à boa vontade dos tendões), olho a escadaria de catedral do metrô, infinda, longa, parecia que ia desembocar noutro país; ato contínuo, envergo os olhos à esquerda e tenho a visão do paraíso: uma escada rolante, novinha, lisa, sorridente; eu sonhando estender meus trapos sobre ela, coloco o pé e... ela para! Como num desenho animado, o Coyote que é atropelado por um carro numa estrada onde não passa nem vento... sou um Coyote da vida irreal.
Não é mole, não. Tinha uma Brasília, dessas nonagenárias na aparência e na rodagem, cor de... Puxa vida, que cor que era aquela Brasília? Já, já, eu lembro. Não se podia falar mal dela perto dela, senão ela não pegava nunca mais. Um dia, dando carona a um corajoso amigo, ele começou a dizer mal da menina, debochando dos furos no assoalho, perguntando se era o carro do Fred Flintstone; falou mal das molas do banco que, exibidas, incomodavam um pouco o sentar; quando choveu e começou a entrar água pelo teto, vá lá, algo vazado, zombou dizendo que errou de personagem, chamando-a de aqua-móvel, que deve ser o carro do Aquaman. Aí foi demais para ela: estancou no meio da pista e não pegou mais, aborrecida; as gotas que pendiam da lataria não eram da chuva, e sim lágrimas do seu pesar. Em suma, se falasse mal dela perto dela, ela não pegava; era uma coisa.
Mas o objeto da minha ira são os elevadores do meu prédio. Vou, com autorização do síndico e aprovação do conselho consultivo, instalar um toco de amarrar jegue no hall, igual aos que ainda se devem usar no sertão ou no faroeste, para ver se seguro esses bichos indolentes. Perdoem o desabafo, mas chego tarde em casa, triste e cansado, não raro aborrecido e sempre faminto, e ainda sem a alma, sim, porque a ânsia do logo chegar a faz abandonar o corpo, e por ele espera, impaciente e apreensiva, sempre cinco minutos atrasados por culpa do elevador.
PS: agora lembrei a cor, era cor de ferrugem-oco.
Escrito por Alex Menezes, às 23h44.
Comments