Perto da escola onde estudo, fica estacionado um menino. Mirrado. Os olhos indecisos entre tristes e esperançosos. Sua companhia é uma lata. Meu primeiro bate-papo com ele foi dos melhores que já tive; rasguei uma folha do caderno, usei-a como almofada e passamos a conversar, como dois amigos:
- Tudo bem com você?
- Tudo.
- Está com fome?
- Não.
- Tá um pouco frio hoje, não acha?
- Acho. Tem uma moeda?
- Vai comprar o quê com uma moeda?
- Um caderno.
- Com uma moeda não compra um caderno. Vai precisar de muitas moedas.
- Já tenho umas aqui.
Tinha, de fato. Feito um pandeiro, ele fez chacoalhar as moedas dentro da lata, como que para me sensibilizar com o som. Seus cabelos lisos moldavam uma franja; parecia um beatle loirinho. Os olhos de um azul intenso. Como estávamos embaixo de um poste de luz, meu corpo fez sombra sobre ele, e quando mudei minha posição e a luz lhe bateu de chapa, pude ver seu rosto meio sujinho, e num rápido golpe de luz ele deixou de ser um beatle para se transformar no Cascão.
É um grande garoto. Conversamos por longo tempo, perguntei da família dele, dos irmãos (tem três), do pai e da mãe; o histórico familiar não é dos melhores: a mãe é doente, o pai está preso. Em vinte minutos, ele fez um relato da sua biografia com tal precisão, que quase pude sentir a dor das pancadas que recebeu do pai quando este ainda estava solto, as privações, as inquietações todas fazem doer muito. Um menino de oito anos, parece que viveu bem mais que isso. O sofrimento faz prolongar a sensação do tempo percorrido.
Impotente e incapaz de qualquer outro ato além do possível de lhe comprar um caderno barato, tão frágil quanto ele, fui para a aula, descompensado, quase anestesiado; cantarolei mentalmente uma musiquinha com o fim de aliviar os meus sofrimentos dele...
...sou eu que vou seguir você do primeiro rabisco até o bê-a-bá/ em todos os desenhos coloridos vou estar....
Escrito por Alex Menezes, às 12h01.
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