As ruas de Milão são um desafio para o devastador efeito de ser cidadão estrangeiro.
Imagine ruas ladrilhadas por paralelepípedos, encrustadas por guias férreas para passagem de bondes. Lembra o Rio de Janeiro do Século XIX. Carros, gente, motonetas, bicicletas, ônibus. Tudo dividindo o mesmo espaço, numa tão precária coesão, que faz descrer a ideia de que o caos não tem sua ordem.
Em São Paulo, seria impossível tal cenário. Carros e motoboys já se aniquilam tão coordenada e religiosamente que a inclusão na paisagem de um bonde nas ruas seria o fim dessa boa tradição; nenhum motoboy que se preze trocaria a suavidade de um pneu de borracha por outro de ferro.
Encontrar um italiano gentil é tão raro quanto o motoboy sem pressa, ou um mau poeta calado.
O que faz de Milão uma cidade curiosa é o fato de toda ela ser um centro. Perdi-me às tontas por entre ela, e tudo parecia mais central, como se estivesse a navegar uma esfera concêntrica. A Catedral Duomo, colosso gótico arquitetônico em reforma, está curiosamente patrocinada pela LG e Samsung, fato que mostra que a crise chegou à Santa Sé; seria mais divino que as empresas patrocinassem a obra, mas divulgassem depois, para evitar o caráter mercantilista do escambo…
As lojas milanesas, um escândalo de preços e opções. LV, Prada e as demais, dormitam em suntuosos palácios, projetados para jamais serem lojas. Na principal via, as colunas ora escondiam os letreiros das marcas, ora esmagavam com seu secular peso literal e estético as reles marcas, como a dizer que elas são passageiras, mas as colunas não.
Incrível saber que, em menos de 200 anos, essa cidade foi devastada primeiro por Napoleão, e depois, na Segunda Guerra. O que ferve de gente no que outrora foram escombros…
A beleza das pessoas italianas é outro ponto interessante. Os homens são mais bonitos; ao menos no concernente ao trajar, são dândis absolutos --- Oscar Wilde gostaria de viver aqui, se é que não vive à sorrelfa.
Já as mulheres padecem do “mal da beleza exata”, e por isso ousam no desleixo, maquiagem nenhuma, nudez total de vaidade, talvez porque já se julgam assaz belas, idem nas divas, por assim dizer, maduras --- o requinte é um capítulo à parte. São cheias de um encanto outonal que as fazem joviais como uma joia que pende no busto de um manequim.
Estrangeiro por toda parte. Indianos, árabes às bátegas. Num monumento à resistência de 1944, estacionou ao meu lado uma mulher vestida à rigor da religião, de burca; parecia impossível não explodir (de mau humor) a qualquer momento, pois esperava ansiosa um marido que não vinha. Mais adiante, uma criança a chorar, e meu desespero, sem saber em que idioma ela lamentava.
O calor que expira do mediterrâneo torna isso aqui um pouco de Brasil. Amanhã será a vez de Veneza e Verona. Basílica de São Marcos, local possível e insuspeito, onde pode estar o corpo de Alessandro Magno, como o chamam aqui os italianos.
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