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Alexandre, Aristóteles e o Cesar Negro


Aristóteles ensinando Alexandre, ilustração séc. XV.


O destino é um mistério. Não falo novidade alguma, é óbvio; alguma via, o que ele às vezes reserva é de uma magnificência que impressiona. Ajeite-se na cadeira do escritório ou da sala de estar, aperte os cintos da imaginação, iremos embarcar para Estagira, com escala em Atenas e depois pousaremos em Pela, capital da Macedônia; o século é o IV antes daquele bom Cristo.


O Destino, a quem o poeta latino Lucano, autor das “Farsálias”, chamou de “o vingador do mundo”, pregou uma de suas peças mais exuberantes ao unir na mesma época, no mesmo país, na mesma cidade e na mesma corte, dois dos mais extraordinários homens da história: Alexandre, o Grande e Aristóteles, igualmente grande. A Renascença, termo criado pelo arquiteto e biógrafo italiano Giorgio Vasari, colocou no mesmo barco Leonardo, Michelangelo, Shakespeare, Francis Bacon, René Descartes, Spinoza, Martinho Lutero, John Milton, El Greco etc., mas todos num período que compreende os séculos XIII até meados do XVII, período em que acabou a Idade Média e deu-se o início da Moderna, esse caos calmo em que ora vivemos. Quatro séculos e diversos países europeus. Para o nascimento do príncipe macedônio e da maior mente que já existiu, o Destino só precisou de um único país e de uma única língua.


Alexandre, o maior político da Antiguidade, se distinguia por ser, entre todos os políticos, o mais esplêndido que já vivera. Era nobre, porque príncipe. Culto. Inteligente. Sábio. Corajoso. Generoso. Genial. A lenda lhe atribui ascendências divinas e até mitológicas: Hércules, por parte do pai Felipe, e Aquiles, por parte da mãe Olimpia. Tinha seus vícios decerto, mas ele era apenas Alexandre, não tivesse nenhum vício, não seria humano, como de fato parece não ser, em algumas ocasiões. Ele encarna o virtuosismo do Magnânimo que seu mestre definiu com detalhes, e em alguns casos o Déspota destituído de valor e nobreza. Era um homem completo na bondade e na maldade, com a diferença de que a maldade era praticada pela necessidade, enquanto a bondade era aplicada por emanação.


Aristóteles, que recebeu como pagamento pela educação do príncipe nada menos que toda a sua cidade (Estagira) reconstruída e repovoada (o que torna a formação de Alexandre a mais dispendiosa de que se tem notícia), concentrava em si todo o gênio e magia que o fez admirado em todo o mediterrâneo e, séculos após, em toda a Ásia, e hoje em todo o mundo. A base dos sistemas que existem hoje no ocidente nasceu no cérebro de Aristóteles. Tanto Alexandre quanto Aristóteles se cultuavam. Um gênio tem o gênio de reconhecer o seu igual. Após seis anos de estudos, desde que o mega-herói partiu em sua expedição rumo a Ásia, ambos jamais se reencontraram.


Ressentido pelo poder absoluto conquistado pelo seu pupilo, Aristóteles se afastou paulatinamente da ideologia utópica alexandrina, avançada demais até para os dias de hoje. Tal ressentimento explica o fato do filósofo jamais citar seu aluno em nenhum de seus vários livros, menos em um, “Ética a Nicômaco”, escrito em plena campanha e auge de poder do rei. Diz um trecho em que fala da famosa busca pelo “justo meio”:


O mesmo acontece com a moderação, a coragem e outras virtudes. De fato, quem evita e teme qualquer coisa e nada enfrenta torna-se tímido; quem, ao contrário, não teme absolutamente nada, mas enfrenta qualquer coisa, torna-se temerário. Do mesmo modo, quem goza de todo tipo de prazer e não se abstém de nenhum se torna intemperante (...) portanto a moderação e a coragem são prejudicadas tanto pelo excesso quanto pela escassez, ao passo que são preservadas nos caminho do meio...”


É evidente que o alvitre disfarçado de “ensinamento” é um recado ao então Senhor da Ásia, rei dos Gregos e dos Persas, Faraó do Egito, encarnação de Buda, predecessor do Messias judaico, filho de Zeus e tantos imensos títulos, que se tornara um imoderado, absolutamente absorvido pelo maior poder que um ser humano jamais alcançara na Terra. Só este fato faz com que Alexandre mereça absolvição e compaixão. Suportar o fardo do poder supremo é tarefa que até mesmo o Deus Supremo se cansa, e talvez por isso delegue a outros o controle das coisas, como ensina a literatura sacra e os jornais diários. Mesmo o titã Atlas, condenado a sustentar o mundo nas costas, vergou com o peso físico da Terra, que deve pesar bem menos do que o peso político. Certa ocasião, o historiador de Alexandre, Calístenes, incomodado por presenciar uma intemperança do líder, censurou o rei:


Não temes verdadeiramente a morte, Alexandre? Pátroclo (primo de Aquiles) de valor maior que o teu, também morreu.”

Ambos os gênios da humanidade se distanciaram pelo motivo simples de que compartilhar ideais é uma fantasia que só cabe nas mentes dos tolos. Alexandre morreu jovem, aos 33 anos incompletos; Aristóteles, aos 60, desfrutando a glória e o reconhecimento de seus contemporâneos. Cada um fez a sua devida contribuição para que a civilização saltasse da ignorância predominante para a luz do conhecimento e da tolerância religiosa, étnica e política. A luz do saber coube ao filósofo, e parece que alcança o ápice nestes tempos modernos, já a intolerância combatida com fé pelo general macedônio, parece ter ainda um promissor futuro. A eleição do “Cesar Negro” (apud a Pondé) na América Nortista é a centelha que Alexandre Magno acendeu há 23 séculos, a custa de muito sangue, é verdade, mas todos sabem que não se alcança uma boa educação apenas com carinhos.



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