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A Serendipidade



Você sabe o que é serendipidade? Não que eu o queira subestimar; amo meus leitores e não se subestima a quem se ama, mas se você souber eu cegue. Na face deste planeta, não sou nada sem um bom exagero (12 dicionários consultados, do Houaiss ao Aurélio!). Além do Umberto Eco, só meu professor de Direito Societário conhecia a palavra; deu até a referência em inglês: “serendipity” --- serendipidade é o aportuguesamento dela. Eco talvez seja o maior intelectual italiano vivo (após a morte de Norberto Bobbio); o professor é uma espécie de Eco que ecoa nos moucos corredores da minha escola. É um intelectual notável.


Você já foi vítima da serendipidade. O mais notório caso de serendipidade se deu com Cristóvão Colombo, que, em viagem à procura de um continente, desembocou neste aqui onde estou eu e você, para desespero e extinção dos então nativos. Essa simples providência de achar uma coisa quando se procura por outra é uma beleza. Recue no tempo e observe o primeiro homem que deu com o ouro enquanto procurava, hum, digamos, outro tesouro menos apetecível, como um peçonhento escorpião que iria ser seu jantar. Foi o segundo maior caso de serendipidade da história, só perdendo para o caso do petróleo, que se deu... Melhor não imaginar.


Já me ocorreu várias vezes esse singular fenômeno. Algumas eu nunca esqueço. Na mais célebre, achei embaixo do colchão, enquanto procurava confeitos, um chicote que minha mãe procurava há tempos (e andava algo nostálgica de aplicá-lo no meu lombo); foi uma tragédia. Mas as tragédias corrigem maus espíritos. Santo chicote. Santa dona Irene.


Se verdade for que tudo que há no mundo (ou quase tudo) adveio dum desleixo da ordem natural das coisas e, pela atenção do acaso, vieram a existir (forno, micro-ondas, luz elétrica etc.), rogo para que a serendipidade atue em favor das lacunas terríveis que têm preenchido nosso mundo atual; iremos votar, digamos, no irmão do Bush e teremos (não é tentativa e erro!) um Marco Aurélio; eleito um primo do Lula e eis a nós um Nabucodonosor; quiçá um Salomão.


Não se pode – a experiência mostra – deixar tudo por conta da providência do Acaso, esse deus sem credo e breviário; é forçoso que adicionemos uma pitada de fé para fazer valer nossas pretensões de querer solucionar questões insolúveis. Escalo no meu time esses dois elementos raros: a Fé e a Serendipidade; a primeira com a camisa 10 (para não enfurecer os devotos) e a segunda com a camisa número 9; quem não curtir número ímpar, é só virá-la de ponta-cabeça...




Escrito por Alex Menezes, às 23h40.


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