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Nada

Está frio em São Paulo. É plena primavera, mas as estações do ano perderam o charme de outrora; o inverno é quente, nascem flores no outono e periga nevar no próximo verão, isto é, se o mercado financeiro assim o permitir. In hoc signo vinces.


Gostaria muito de saber onde foi parar a bússola moral das estações do ano. Teria ido hipotecar seu prestígio nos cassinos de Las Vegas? Problema difícil. Tudo o que há no mundo anda assim, meio torto, torpe, túrgido. Que palavra, "túrgido", não é? De onde a fui tirar...


Será que, desde os grandes impérios da História até os dias atuais, as coisas sempre foram assim, complicadas, com um enredo erradio, ameaçando um colapso aqui, um sobressalto acolá? Nunca terá havido um tempo em que nada ocorreu de maléfico ou de benéfico?


Tantos são os acontecimentos no planeta, nos filmes, nos livros, nas religiões e nas novelas, que às vezes me canso de tanta ação. Quando me invisto na figura de dramaturgo, quero propor um script sem ação alguma, em que tudo aconteça na maior normalidade possível, à maneira de um romance do Paulo Coelho: os amantes se amem sem percalços, as contas sejam pagas idem, a morte, quando atuar, atue de forma precária; poderia fazer sucesso igual enredo, tal é o acúmulo de grandes atos a perpassar por nossa frente.


Um roteiro sem ação. A Finlândia, um país em que noutrora eu nutria simpatia até saber que lá existem dois milhões de armas para seus cinco milhões de habitantes, deu à luz uma dessas monstruosidades modernas: um estudante invadiu uma escola e, com um passaporte que espoca, levou para o domínio dos mortos dez vivos. O presidente Lula, na abertura da conferência anual da ONU, não pôde falar três frases sem um erro gramatical, de concordância, de pronúncia, de prosódia. Tudo isto se concentrou num breve pedaço do dia 23 de setembro.


E o que escapou do meu campo de visão? Às vezes acho que há mundo demais para pessoas de menos. Ou vice-versa. Fica assim o artigo de hoje, contrapondo a atualidade e a vida, sem ação que mereça uma nota ou um suspiro, sem ritmo ou sentido, um pedaço de inocuidade neste dia tão estranho, exceto pela palavra “túrgido”.





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