Antessala de um cinema de São Paulo, sexta-feira, 29/09/06, torno das 00h30, toca o celular:
- Oi, tudo bem?
- Sim, e você?
- Caiu um avião aí, você está sabendo?
O filme da vez era As Duas Torres e, preparado para ver os fatos do 11/9 pelos olhos do diretor Oliver Stone, recebi a notícia da queda do voo 1907 da Cia. Gol Linhas Aéreas.
Sentei na poltrona, olhei em volta, vi casais pespegando beijos apaixonados, o estalido das pipocas nas bocas felizes. Olhei para mim mesmo e me perguntei em silêncio como podia se dar tais circunstâncias tão díspares, a crueza do mundo nosso que faz conter no universo do mesmo momento pessoas que se divertem e outras que sofrem.
Tudo concentrado nos extremos do mesmo momento.
Eu e todos ali, saboreando um momento de prazer, prontos para ver no cinema a agonia de muitos após aviões serem usados como mísseis para destruir vidas e construir guerras; naquele mesmo instante, a milhares de quilômetros dali, 155 pessoas estavam em meio a destroços, numa remota selva, mortas ou a agonizar – o que é pior do que morrer.
Como uma simples poça na rua transporta o céu para o chão, meus pensamentos foram transportados para aquele ponto incerto de uma mata hostil; recriei na memória os instantes de agonia dos possíveis sobreviventes, a brutalidade instantânea que faz o passageiro de um Boeing estar a um tempo confortável numa poltrona macia, a desfrutar dos benefícios da alta tecnologia da atual aviação civil, dos serviços de bordo, e noutro tempo estar imerso em folhas, lama, dor e desespero.
O filme-catástrofe perdeu sua razão de ser; na minha cabeça já se havia pronto um filme real, com sofrimentos reais, deixando a nu toda a fragilidade dessas máquinas voadoras maravilhosas, feitas de aço e muita dor quando se precipitam do ar e matam em grande escala.
Ignoro se é lícito o fato de um homem citar a si próprio, mas escrevi algumas crônicas atrás que “não existe progresso sem dor”; presumo que, para as famílias das vítimas, se o preço pago pelo progresso for esse de fazer perder seus entes queridos, antes o retorno à Idade da Pedra.
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