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O Velho Chico e o Bispo da Fome





Pela honra e pela glória a gente faz muita bobagem. Pela astúcia e pela inércia, alguns delitos; pelo honorífico título de mártir já vi muita gente boa (e má) sacrificar uma vida de paz e tranqüilidade podendo engordar feliz, como aquele Ezequiel bíblico, debaixo duma amoreira selvagem e até infrutífera.


Inicio o texto sem clara certeza se condeno ou louvo a atitude hagiográfica do bispo Luiz Flávio Cappio de sustar a necessária alimentação pessoal como forma de protesto para barrar a transposição do Rio São Francisco. Greve de fome é um curioso recurso que certas pessoas adotam para ver atendido um anseio íntimo ou público; eu não faria. O estômago é dos únicos órgãos que não pode tirar férias; o anedotário está aí para não me desdizer; diz-se muita vez que fulano não tem coração, que beltrano não tem cérebro, que o fígado daquele outro pifou, mas para a suspensão do uso do estômago nenhuma mente, por mais brilhante ou vazia, criou uma anedota. O máximo que há é dizer que o pretérito moço tem “um estômago de avestruz”, prova que une a ciência e o popularesco para provar que ele aceita qualquer coisa para triturar. O estômago é o órgão mais filosófico do corpo humano.


Sucesso imediato terá o primeiro candidato a mártir que, negando a secular tradição de inanição, em vez de enfiar vazio nesse balão abdominal, abastecê-lo com doses alopáticas de guloseimas, no caso do bispo, pode até ser guloseimas sacerdotais. A maranha envolta na polêmica é de tal modo complexa que não tenho formado juízo sobre se deve ou não mudar o curso do rio, que talvez corra no mesmo percurso bem antes de se ter inventado bispos e lucros; o lucro nada mais é do que uma forma pagã de sacerdote. Que me diz você? Vamos lá, meta o bedelho nessa arenga lacustre, não importa sua profissão, seja médico ou garimpeiro, coveiro ou alfaiate, o importante é opinar, causar sensação.


Posso até lhe ajudar com alguns dados interessantes. A previsão é que a monumental obra de engenharia consuma insubstanciáveis 5,2 bilhões de reais, soma vultuosa e que merece alguma consideração, por mais carola que seja você; o consórcio que morrerá de inanição pecuniária caso a causa do bispo frutifique, deve ter tantas pendências com o INSS que seria obrigado a indenizar todas as gerações de bispos daqui e alhures; o presidente Lula, sonhando com a fundição em bronze de um seu busto na galeria dos heróis nacionais, crê necessária a transposição do “Velho Chico”, que apesar de velho, parece não caducar.


Como minhas soluções são em regra extravagantes e com pitadas sonoras de excentricidade, ergo timidamente a bandeira de que tem de haver uma transposição dos povos nordestinos sem água que estão longe do rio; mande-se todo o povaréu para a beira do rio, obra quiçá mais onerosa, mas de popularidade certeira, pois a se prometer a fundação de uma nova cidade, toda a economia ganha, toda a igreja, com a consagração de novos cônegos e demais prelados e a máquina política com a carência de prefeituras que requerem prefeitos, que requerem vereadores, que requerem salários, que requerem propinas, que requerem munícipes, que requerem progresso e aí sim finda essa torturante quadrilha que em nada deve à famosa de Drummond: Carlos amava Dora, que amava Pedro que amava Paulo que amava a filha... e tudo termina assim, sem greve de versos.





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