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O Papel Higiênico da Salvação

Trechos do "Corão" foram vetados por medo de represálias; companhia usa a "Bíblia"


Os clérigos do apocalipse se perguntam qual é o papel da literatura no mundo. Entusiastas entendem que ela educa; puristas que ela reaciona e os obtusos crêem-na tão útil quanto adoçar mel com açúcar; comparação para lá de esdrúxula vá lá, mas nem todos os dias são bons dias para comparações; há dias que não toleram comparações, preferem que se digam as coisas cruamente, sem rebuscados, pede rudeza, como parede sem reboco. Viram? É um péssimo dia para comparações.



Os espanhóis que já produziram desde de artefatos visuais como Diego Velásquez a monumentos arquitetônicos como Antonio Gaudí e também Miguel de Cervantes e o Barcelona (deixa os catalães saberem dessa comparação...) encontram também o papel da literatura no mundo.



Sim, o papel da literatura para os inventores da Armada Invencível (deixa os ingleses ouvirem mais essa...) é o simples e conveniente papel higiênico. Não sei o que Ortega y Gasset pensaria da imaginosa invenção espanhola. Talvez tencionasse mudar de pátria. O exílio no Sri Lanka seria uma boa, como fez Arthur Clark. A idéia por mais extravagante que numa apressada análise possa parecer é na verdade uma descoberta necessária, quase celestial.



"Hemingway dizia que clássico é aquele livro que todo mundo respeita, mas ninguém lê. O que estamos fazendo é levar os livros aos banheiros, aproximando a literatura do homem", disse o dono da empresa, Raúl Camarero.



A comparação do dono da sociedade empresária é igual às minhas: ridícula. Primeiro que o grande Ernest (mais fácil escrever seu primeiro nome) não é exemplo nenhum porque ele mesmo não lia nada, sua biblioteca em Havana tinha livros que nunca foram abertos, quanto mais lido. Até aí tudo bem, porque mesmo eu que ando a propagandear por aí que sou “ávido leitor” também não leio tudo isso não. Segundo que os clássicos não são mesmo para serem lidos e sim citados, para as despesas nas conversas com amigos cultos ou impressionar uma namorada – inculta. Pois senão, corre-se o risco de ser pego na falácia.



"E surge aí um conflito interessante: limpar o traseiro com uma bela obra e o dilema moral que isso representa", disse Camarero.



Para mim não há dilema algum. Ainda que todos os traseiros do mundo forem limpos com um capítulo de Vidas Secas, higienizados com a parte em que a Emilia toma o pó de pirlim pim pim, ou limpem-se justamente na parte do Navio Negreiro em que o poeta prevê o somatório de misérias que a pátria amada nos reserva, pode-se dizer que as relações higiênicas sofreriam imensa revolução.



Tudo é questão de parâmetro. Se muitas obras-primas não conquistaram as pessoas pela cabeça, membro universalmente consagrado como sede do saber, vai que conquiste pelo membro inferior, depositário universal das porcarias que o membro de cima absorve e o outro rejeita, por expulsar?; eis aí consagrada a genialidade do senhor Camarero, homem absolutamente apto para sentar na cadeira que um dia pertenceu a Isaac Newton. Perdoe-me Stephen Hawking. Hoje estou péssimo para comparações.





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