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O Cheiro do Ralo

Foto do escritor: ABM ABM

O filme “O Cheiro do Ralo” entrou em cartaz com pompa de ser “cult” antes de ser saboreado e/ou “vistoriado” pelo grande público. É uma película meio autorretrato social, meio “realismo mágico”, uma espécie de Gabriel Garcia Marquez sem a efusão lírica do escritor colombiano.


Retratar o voyeurismo escatológico do homem moderno é o grande mote do filme: a obsessão da personagem pela generosa bunda de uma garçonete e pelo cheiro hediondo que exala do ralo do banheiro --- contíguo à sala onde atende desesperados que vão lá em busca não apenas da grana para solucionar seus problemas, mas também de manter algo que se assemelhe a uma dignidade que está à beira do colapso (tardia mesmo) --- é o que move a fita. Ele compra de tudo: de sogra em pó a um medonho olho de plástico que passa a ser seu amuleto e companheiro de esquisitices.


Do começo ao fim, exceto por objetos pontuais, não sabemos em que tempo está situado o filme --- talvez década de 70, a que antecedeu à de 80, a chamada “perdida”. O intento do diretor talvez tenha sido omitir ou, no máximo, dificultar o entendimento do espectador, o colocando num labirinto temporal onde ele não sabe ao certo que beco seguir, pois as ações da personagem principal (o excelente Selton Mello) fecham todas as portas, impedem todas as fugas de quem vê o filme, de quem ousa o compreender. A atuação e algumas cenas demasiadamente teatrais dalguns atores quase chegam a comprometer a trama, porque ela segue uma linha tênue e monotemática: qualquer deslize seria fatal.


O fim previsível (mas não melancólico) é o anticlímax; espera-se sem esperar aquele fim, como uma surpresa com data marcada para chegar.


Não é um filme para se gostar ou se odiar; é um filme para se pensar após ser visto. Tudo nele (e não só o fétido cheiro que sai do ralo) exala humanismo; por mais escroto que se possa imaginar, o ser humano é um pouco daquilo: boçal, sexualmente pervertido e egoísta, usurário, descarado e insensível. Veja o filme e se enxergue nele; um fragmento seu decerto está lá. Se não estiver escancarado, está oculto dentro de uma penumbra, tão oculto que quase arromba a retina de quem vê.

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Alex Bezerra de Menezes

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