O novo petardo cinematográfico do dinamarquês Lars Von Trier tem muito mais a dizer em imagens do que em palavras. O início do filme, com a música de Wagner ao fundo, é de uma teatralidade séria e inebriante, e conduz a retina a acusar o erro, pois a câmera lentíssima das primeiras tomadas é trocada pela frenética e trêmula do resto da narrativa.
O planeta Melancholia subitamente aparece e ameaça colidir com a terra, e a proximidade do extermínio geral acentua o que há de humano em quem é humano e indiferente a indiferentes à tragicidade da vida.
Justine, na bela e sóbria interpretação de Kirsten Dunst, é a mais afetada pela proximidade do planeta. Em plena festa de casamento, ela descobre que o que quer é a solidão e, após o fatídico rompimento com o noivo, se entrega a mais mortal da melancolia: a depressão aguda.
Os diálogos inconclusivos do filme parecem intencionais, porque, em verdade, o que interessa não é a agonia da espera da hecatombe, mas como cada um lida com o fim próximo; e isso só pôde me remeter a Dostoieviski, para quem o pior do castigo era a espera. E essa espera impotente, a incerteza de se o Melancholia vai ou não abalroar a terra, desestabiliza as personagens.
O universo de Von Trier é povoado de metáforas inacessíveis cuja intenção é açoitar o espectador com enigmas insondáveis. Noutra feita, a pungente sucessão de belas imagens e a fotografia impecável mostram um lado lúdico do cineasta que se esconde em suas histórias bizarras. A cena em que Claire e Justine colhem mirtilos no jardim, em meio a uma espécie de “maná” que cai do céu, é de uma poesia visual deslumbrante.
Assim como em Anti-Cristo, ele evoca o reino animal como mensageiro do caos: os pássaros em revoada e o cavalo que não segue (até certo ponto onde o planeta parece infundir nele um terror sensorial) mostram que o ser humano domina tecnologias, mas jamais dominará os sentidos que deveriam conectá-lo à natureza.
Enfim, a mitologia de Von Trier é a do desencanto, do inescapável destino absurdo do homem na face da terra. Criando esse lugar impalpável, longe do alcance da razão, o dinamarquês reflete com espelho sanguíneo o atual estado em que as sociedades vivem esse turbilhão tecnológico conjugado com a fragilidade das relações pessoais. Como todo bom catastrofista, Von Trier prega que a melhor saída para nós é a destruição, única fonte possível de redenção.
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