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KAROSHI – DRAMA E POESIA

Na primorosa canção “1º de Maio” de Milton Buarque e do Chico Nascimento, há uma imagem de uma extraordinariedade acachapante, entoada na terceira estrofe que você já já irá ler se não estiver impaciente nem com o texto nem com o seu trabalho:


A história da música retrata a mini odisséia de um operário em pleno Dia do Trabalho, feriado mundial, dia em que “a cidade está parada” ele irá encontrar a namorada: poemisa a primeira estrofe:


Hoje a cidade está parada


E ele apressa a caminhada


Pra acordar a namorada logo ali


E vai sorrindo, vai aflito


Pra mostrar, cheio de si


Que hoje ele é senhor das suas mãos


E das ferramentas...


A precariedade do trabalhador sem partido ganha ares de heroísmo na poesia, um heroísmo lúdico na figura do namorado que “apressa a caminhada/ pra acordar a namorada” contraponto exato ao homem que não se apressa para encontrar a jornada de trabalho tediosa e mal remunerada em regra, um trabalho que mói seu corpo e seus sonhos.


No Japão, um trabalhador que tinha consumido apenas 35 dos 78 anos a que tinha direito segundo vislumbra a expectativa de vida daquele país, morreu por excesso de trabalho: “Só encontrava felicidade na hora de dormir”, confessou ele à esposa. No Japão, tão endêmico é o caso de morte por excesso de trabalho, que há até um termo específico para o fenômeno: KAROSHI (KKARO= excesso de trabalho e SHI = Morte).



O trabalhador da dupla Milton & Chico é a encarnação de um ideário já morto e sepultado pela necessidade de executar mecanicamente um serviço emburrecedor, que forja uma sociedade andróide que só obedece a sirena da usina.



Segunda estrofe:



Quando a sirene não apita


Ela acorda mais bonita


Sua pele é sua chita, seu fustão


E, bem ou mal, é o seu veludo


É o tafetá que Deus lhe deu


E é bendito o fruto do suor


Do trabalho que é só seu


A sirene muda do feriado faz a namorada acordar até mais bela: provavelmente operária de uma indústria têxtil, ela faz da sua pele sua “chita”, tecido grosseiro de má qualidade e já a transforma em “fustão”, uma seda nobre que se transforma em veludo, a pele como vestimenta nobre, “o tafetá que Deus lhe deu”. Há uma comunicação tão eloqüente entre a operária da música e o japonês assassinado, como se ela quisesse salvar todos os trabalhadores dessa firma cruel chamada Terra S/A.t. Sem Amor ao Trabalhador.


Por fim:


Hoje eles hão de consagrar


O dia inteiro pra se amar tanto


Ele, o artesão


Faz dentro dela a sua oficina


E ela, a tecelã


Vai fiar nas malhas do seu ventre


O homem de amanhã


O desfecho é necessariamente erótico. Os próprios heróis se entregam, incapazes de brecar a roda-viva, máquina de moer gente, juntam-se ambos os amantes para produzirem, como se eles mesmos fossem a extensão das indústrias onde trabalham, mais um homem, uma peça minúscula da imensa engrenagem que faz o mundo rodar torto, débil, claudicante.





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