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Engambelando a Morte

Sinceramente, se tem uma coisa que eu não gosto de fazer é morrer. Se ninguém falar nada, se o tempo for passando e não se lembrar de mim, não me oponho em continuar vivo, zanzando por aí, fornecendo cheques sem fundos a incautos, furtando amoreiras e caçando pardais urbanos; paquerando moças bonitas também, mas isso pode custar o meu intento de permanecer em pé, pelo menos enquanto tusso. Em suma, o que eu quero dizer é isto: se depender de mim eu fico vivo. E Para sempre. Esse negócio de morrer causa muitos e variados aborrecimentos. Quero continuar vivo. Como posso me dar ao luxo de ir me metendo a morrer e deixar um monte de coisas inconclusas? Como poderei ficar sem e-mail? Sem Internet, sem computador e sem você? Não quero. Vou espernear porque entendi que podemos viver sem quase tudo; sem casa, comida e até sem um amor; tem uma menina que amo e que não me dá bola; todavia, prossigo vivo, o que não dá mesmo é eu viver sem mim, eu que estou tão acostumado comigo. Até hoje não entendo porque um bloco de pedra pode durar mais do que uma pessoa. Uma pedra, em tese, nada produz, a não ser um galo na cabeça dalguma alma inconveniente, se arremessada com diligência e perfeição. Em meus estudos de alquimia, procuro um meio de ludibriar a morte; até agora o que encontrei foram anedotas e explosões. Como é natural, meu desejo de prosseguir respirando pelos séculos afora pode não encontrar boa acolhida entre meus contemporâneos, sobretudo naqueles que não tem paciência com minhas involuções mentais; problema solúvel, diga-se, bastando apenas eu entregar o segredo da minha sobrevida ao meu irriquieto detrator. Paz no futuro aos homens de boa vontade. Esse desejo íntimo que agora torno público me opõe ferrenhamente aos suicidas, esses ingratos da benignidade imerecida da vida. Outro dia, lendo um livro, me deparo com este solilóquio que se você tiver um tico de paciência há de ler logo abaixo: um sujeito, em pleno navio flutuando o oceano, triste e amargurado, quis dar cabo da vida; no dia seguinte, quer confirmar o plano; quando de repente o barco é açoitado por violenta tempestade que o aproxima do desejo; aí, cheio de medo e terror, faz este quinau: - Eu, que meditava ir ter com a morte, não ousei fitá-la quando ela veio ter comigo. - E desistiu convenientemente de se afogar. É correto afirmar que ainda não tenho um plano definido de como não deixar esse mundo tão malzinho e perverso mas tão queridinho também; depende do olhar de quem vê; tem a Oscar Freire e a M´Boi Mirim, você decide onde quer passear. Inexoravelmente a idade vai chegar, se é que já não chegou e eu não percebi, e com ela todos aqueles infindos males que faz-nos transformar num hospital ambulante; ah se eu pudesse rejeitar as doenças como rejeito emprestar dinheiro aos amigos, seria uma alegria. Mas essas amáveis senhoritas de nomes científicos são persistentes e quando pegam de caso com a gente querem ir até o fim – da cova, quero dizer. São damas do tipo que não aceitam um não. Dispenso a idéia de pacto com a morte; não quero. Depois ela vem me cobrar, não vou querer quitar a dívida e aí serei acionado no STM (Superior Tribunal Mortal) sem direito a advogado com promotores demoníacos querendo me condenar a uma morridinha lenta e dolorida. Dispenso. Não me conformo. Dizem que existem árvores em Jerusalém que presenciaram o martírio de Cristo, (1900 e tantos anos!) e fico indignado em saber que não valho mais do que uma árvore! Vá lá que elas ajudam no desaquecimento e fornecem oxigênio, mas não falam nem cantam! Enfim, caros amigos, somadas todas as coisas desta vida, das delícias do alvor do dia à melancolia do pôr-do-sol, chego à miserável conclusão de que não vale a pena morrer. Se valesse eu morreria, sem dó nem piedade. Pode parecer desobediência da minha parte não querer seguir o correto exemplo dos meus antepassados, de virar banquete para vermes, e não segui-los ao “undescovery country” (país desconhecido”) de Shakespeare; odeio seguir o já seguido e, por assim, já que não conheci meus antepassados, quero conhecer meus antefuturos, e para isso preciso ficar vivo; decisão extravagante (eu mesmo acho) mas que não se agita apenas dentro de mim; posso apostar que em você também se agita, irresignável, essa vontade de permanecer na terra até ver em que fim vai dar toda essa balbúrdia. Mazel tov!. Para mim, claro. Escrito por Alex Menezes às 23h38

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