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De Aquiles e Camões: Cogitações


Dediquei parte da minha ociosidade dinâmica para fazer cogitações acerca da glória e da mediocridade e ao fim dela fiquei na dúvida sobre o quê é o quê. Acompanhem os gomos do meu pensamento. O grande Camões morreu cumulado das mais esplêndida miséria e só não morreu antes do tempo porque um escravo ia à noite, à sua revelia, esmolar pelas ruas de Lisboa para alimentar o poeta no dia seguinte. Apagou-se obscuro numa enxerga deplorável um dos homens mais hábeis numa das artes mais difíceis (se não a mais) de se atuar com excelência: a poesia. Nunca jamais conheceu a glória que só o futuro lhe daria, mas de que vale o futuro se ele não estaria nele? Glória não desfrutada é glória manca. Viveu quase sessenta anos, a mor parte deles turbulentos, confeccionados com a tinta da adversidade, sofreu mais do que os judeus e o Charlie Brown juntos. Medíocre em vida, glorioso no futuro. Sei lá. Aquiles dos pés ligeiros, o mítico herói de Homero, viveu pouco, mas inebriado pelo éter da glória e o tributo pago por ela foi a vida curta, lá pela casa dos vinte e poucos anos. Viveu dentro deles cercado de paixões; não importando se a fonte dos amores era a ninfa Briseida ou o tolo Pátroclo; o amor desdenha o sexo quando é genuíno; foi temido, respeitado, copiado, venerado, cantado em verso: Canta ó musa A ira de Aquiles Filho de Peleu Que incontáveis males Trouxe às hostes dos aqueus Pensei em usar como exemplo o pobre Raul Pompéia, autor do belo O Ateneu que se matou na flor dos 32 anos; o suicídio faz perder a paixão e a nobreza; os heróis não se rendem à melancolia. Quem se é melhor ser? Um Camões longevo mas claudicante ou um Aquiles efêmero como a flor efêmera mas radiante, poderoso e inspirador? Talvez seja melhor ser bobo; nem poeta nem guerreiro, mas como diz Clarice Lispector, muitas vezes de um bobo sai um Dostoievski e aí não saímos nunca dessa roda-viva. Eu prefiro ser Aquiles, não pela glória em si, mas pela revanche, pela vingança. É muito mais divertido e aceitável pousar nessa terra de lágrimas e agitá-la, tumultuá-la, contorcê-la, espremê-la, infligir a outros um milhão de atropelos do que ser atropelado, tumultuado, agitado e contorcido por ela que, usando a experiência dos outros lhe garanto, não tem nenhum dó de seu ninguém: ela esmaga com fé e sem piedade cristãos e muçulmanos, ateus e gente sã, esmaga a todos e não tem a quem prestar satisfação. Escrito por Alex Menezes às 23h54

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