O filme Ensaio Sobre a Cegueira, baseado na obra homônima de José Saramago, se pretende clarividente, mas é soturno demais com sua fotografia branca demais, a cegueira branca demais; só não é branco o anacronismo que ele projeta, a começar...
... a começar pela sua ‘estética’ mercadológica; a necessidade de ser aceito nos grandes mercados cinematográficos --- só isso explica um filme baseado na obra de uma escritor português, dirigido por um cineasta brasileiro, e falado em.... inglês. Plus ultra!
Todo o complexo sistema que faz uma ideia virar uma fita deve ser imenso, a começar pelos patrocinadores, distribuidores e a "et cetera" enorme envolvida. Mas se o filme se pretende “artístico” e não comercial, por que dar milho para o mercado?
Ao filme.
A alegoria que o escritor Saramago renega ao romance é brutal e patente, indisfarçável. E não há mal nisso. Kafka sim fazia alegoria com um deboche tão escachado, que era difícil encontrar a ponte que unia a narrativa ao objeto satírico apontado.
O filme encontra a nuance perfeita entre imagem e símbolo. Carrega no pesadelo antipsicológico da trama ---- uma vez que, na escuridão, os sentidos ficam dormentes, porque o que advém da treva é menos importante que a treva em si ---, levando o espectador não a compartilhar a agonia da escuridão social levada às últimas consequências, mas a se distanciar dela, primeiro pelas inverossimilhanças e lacunas do roteiro e da própria obra literária, que parece ter sido tecida num universo particular, e por isso não nos faz compartilhar do drama, e beira o artificialismo.
Mas é desses filmes feitos não para gostar ou desgostar, e sim sair dele pensando, elaborando na mente o “e se acontecesse mesmo de todos ficarem literalmente cegos? Manteria a honra, a ética, a fé e a solidariedade inabaláveis?”. Difícil. Mesmo enxergando, viola-se tudo o que é violável; todo o mundo cego faria do gênero o humano uma espécie nova, impossível de prognosticar se regrediria às cavernas ou se avançaria no caminho do entendimento.
Bom final de semana.
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