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Cacofonias Sinfônicas

“Com o apoio que tenho recebido do povo, sinto-me já no governo”


Ei, ei ei ei?! Para onde pensa que vai? Volte cá. Não é política o tema de hoje não! Caramba, que coisa! Não se pode nem começar uma crônica com a palavra governo. Que povo sem paciência. Credo.



A frase acima foi citada por um político de um país do lado de baixo da* equador. Não lembro se ele era médico ou metalúrgico. Não se deixem enganar: a semelhança entre as palavras “médico” e “metalúrgico” não é apenas por serem ambas proparoxítonas. Não sei se é ilusão sem ótica: quando vejo um debate enxergo um médico barburdo, e um metalúrgico careca.



Leia novamente com mais carinho. Leu?: sinto-me já no governo. De todos os fenômenos da língua, o mais terapêutico de todos é o cacófato. Ele podia ser mais previdente. Poderia dizer “sinto-me já no povo”. Mas, tolice a minha, isso eles sé fazem depois que assumem. Há docílimos exemplos de cacófatos. Existem alguns curiosos:


Numa descrição:


“Havia uma pintinha na boca dela"


Numa manchete de jornal:


"Governo confisca gado de fazenda em Mato Grosso"


Momentos do esporte:


"Fulano marca gol de bicicleta


Num livro de receitas:


"Use um pilão de socar alho" (esse melhor não sublinhar)


Um depoimento no jornal de domingo:


"Emagreci graças ao cooper feito diariamente". Idem.


Uma ordem:


“Tua função na fazenda é cercar gado”. Ibdem.


Numa poesia:


“Lá, onde abunda a pita/ E a doce flor/no cume cheira.” (Silêncio)



No último disco de um compositor mais ou menos bom ele cravou o verso: “Eu te contemplava sempre/como um gato à sua dona”, aí ele lembrou que Tom Jobim não assinaria a música e retificou: “Como um gato aos pés da dona...”. mais bonito, não?



O idioma nos proporciona magias as quais chamo “efeitos especiais”, as aliterações: Drummond: “João foi pra os Estados Unidos, Teresa para o convento”. Castro Alves: Auriverde pendão de minha terra que a brisa do Brasil beija e balança”. Mário Quintana: “ A mágica presença das estrelas!” Chico: “Pedro pedreiro esperando o trem, que... já vem, que já vem que já vem...”



De um escritor obscuro: “Gaivota breve que voa ao leve, vele-me, vela que leva à veia, a vela acesa ao meio” – o v como sensação de vôo e o fogo pondo fim ao vôo...



Para marcar na memória, empresas e artistas lançam mão de aliterações: Coca-cola. Mickey Mouse. Kurt Cobain. Peter Parker. Lex Luthor. Lois Lane.



Pronto, chega, enquanto escrevo isto aqui, ouço uma entrevista de um político que me deixou aborrecido e por conta disso, o texto de hoje vai terminar assim, manco de um final decente.


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