Comendo uvas verdes também se faz filosofia. Mastiguei a primeira e, à espera do impacto da semente nos dentes, o impacto não veio. Uva sem sementes. Por Ceres! Nem mesmo ela, deusa também do amor fraternal, cogitou fazer dos produtos agrícolas uma magia desta monta, frutas que se dão a se reproduzir sem sementes. Asas químicas do progresso.
O planeta Saturno, que não por acaso e para melhor ilustrar esta crônica, na mitologia, é pai de Ceres, também é objeto de minhas inquietações a respeito da ciência e vá lá, de alguma sandice astronômica. Cientistas descobriram que uma de suas luas, Titã, é rica em hidrocarbonetos, em via comum, o mau e velho petróleo. Há mais óleo e gás natural por lá do que na Terra inteira, dizem os estudiosos.
O ideal seria que a notícia não vazasse. O apreciável seria que os cientistas fizessem boca-de-siri. Não calculei a lacuna que dista a Terra de Saturno; mas já temo pela construção de um espaçoduto desvirginando a paisagem estelar e não sendo possível a criação de uma peça usinada (única) há de ter emendas entre tubos e com isso já prevejo o Universo não apenas devassado, mas também emporcalhado, com goteiras negras caindo por sobre netunianos, marcianos, e os demais habitantes galácticos.
Se você for perspicaz sabe que isto é só a miudeza do problema; a grandeza se dará quando os extraterrestres descobrirem a octanagem do produto; a energética e a bélica. A relativa paz do sistema solar estará seriamente comprometida; digo relativa não em desdouro dos outros planetas, mas do nosso, o mais irascível até hoje conhecido. Se existir crônica ultraterrestre, os cronistas de lá devem cronicar que é tecnicamente um milagre que a Terra ainda se equilibre viva no sistema aquecido pelo sol; somadas todas as ganâncias aqui concentradas, dariam para distribuir entre as dezenas de bilhões de galáxias e a distribuição causaria abalos nas relações inter-espaciais daí a surpresa dos vizinhos de nos mantermos a girar à frente e à costa do sol, com um sismo político aqui, uma calamidade social acolá, porém estabelecida no firmamento e, proeza maior, parecendo estável aos olhos longínquos que nos vê.
Surge aí a possibilidade (ainda rústica) de que o Criador das Coisas engendrou a Terra, semeou-a com a semente da vida e assim prognosticou:
- Criei o homem, lhe dei uma Casa com avançado sistema hidráulico, o ciclo das chuvas me parece eficiente num primeiro momento; o vazamento que ocasionou o Dilúvio é coisa do passado e a falha foi corrigida; o sistema elétrico não há de entrar em pane, a pilha solar durará até que Eu possa regar outros planetas e depois voltar para ver como se comportaram meus inquilinos; há a mulher, que porá no homem senão limite, ao menos uma dose de conceitos familiar; há patos, fruticídeos e também a política, que ele só usará quando for necessário, talvez daqui uns 120 trilhões de anos; caso a descubra antes ficará em risco a coexistência entre eles; mas bah! Criar e administrar também já é demais; viajarei por entre eras e dimensões, quando retornar encontrarei meu planetinha povoado com uma raça uniforme, todas louvando a Mim, agradecendo os auspícios e a fortuna de receberem de graça a dádiva da vida; se houver um ou outro ingrato será uma exceção tão insignificante que não terá platéia para o ouvir; voltarei para ouvir as efusões em torno do meu Nome, as estátuas erigidas com insumos preciosos, talvez um breviário contendo poemas em Minha honra e todas as oferendas que um filho devoto contempla a um pai amoroso. Imperará a paz e a justiça entre os homens, porquanto eles não conhecerem outras possibilidades que não essas, Me vou.
É verdade que o Criador ainda não retornou para ver os benefícios feitos aqui desde Sua ausência; quando voltar nem se dará conta dos bichos extintos e de uma vida ou outra massacrada em atentados e outras guerras; ele ficará chocado, isso sim, quando provar da uva desprovida de sementes, este prodígio fará trabalhar os sismógrafos e aí será um Deus nos acusa...
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