O absurdo da prisão da menina de 15 anos no interior do Pará numa cela com 24 homens rendeu safra de notícias nos principais jornais do mundo; boa ocasião para o Brasil virar manchete lá fora; ato contínuo, a governadora (do PT) providenciou a retirada da menina e dos pais desta do Pará; mas aí, eis Camões atualíssimo,: Inês é morta.
Isso não é herança colonial, é incompetência e cinismo das autoridades; mas o que se há de pensar de um país em que pessoas despencam para a morte das arquibancadas de estádio de futebol, como o da Fonte Nova na Bahia, 7 torcedores a menos; 7 caixões a mais vendidos que podiam continuar no estoque, ou a insistência do ministro da Cultura, o cantor e compositor Gilberto Gil, pleitear, pela extensão legítima de sua consorte, a cidadania italiana. Não se sabe se Gil, afro-ascendente, solicitou às autoridades consulares o passaporte do Sudão, da Nigéria, de Butão, países em que o consagrado ministro-cantor deve guardar laços de sangue e de etnia.
Mas Gil é brasileiro e, como diz o slogan ufanista, o brasileiro não desiste nunca, somos uma raça concêntrica, nos aviamos dentro de nossos valores abstratos, não importando que isso seja mote de piadas de alto a baixo do equador. Fica-se com a sensação de que tudo é possível desde que não haja perturbação à paz dos que manobram nos bastidores para a sempre presente injustiça tão íntima ao cotidiano.
A menina violentada na cadeia e na alma, brevemente alienada pelos holofotes, se transformará inexoravelmente em estrela nacional; dará entrevistas aos programas do gênero, sendo possível que até abocanhe, quando atingir a maioridade, uma capa da Playboy, com o sugestivo título “Veja o que só os presos paraenses viram” porque no Brasil o que emplaca é a covardia e não raro os vitimados por ela acabam por se deixar levar pela roda-viva feroz da mídia e transformam suas desventuras em venturas, faturando alto, como uma forma de compensação pela miséria sofrida.
Falar mal do Brasil é muito fácil, o difícil é aceitá-lo como é; um lugar de espíritos diversificados, capazes de chorar de alegria e morrer sem desilusão; a própria fundação dele é um milagre, único país continental da América do Sul, a tragédia que o assola diariamente é como um preço a se pagar por uma unidade improvável. O Brasil chora, mas alfim, todos nós sorrimos com ele, e por ele.
Escrito por Alex Menezes às 00h48
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