O que ocorre quando da perda de um alguém que mal nasceu e já se foi? Choro e tristeza? Um desvão? Se o mundo concentrasse uma região de espíritos insensíveis, juro que pararia de escrever, e iria morar na companhia das estrelas. 22 horas com 12 minutos. A este exato tempo, uns sambam nas escolas, outros se embriagam, outros ainda se entorpecem de monotonia. Outros simplesmente, choram. Funda é a cavidade que paralisa o sonho de um pai levando embora a vida de um nascituro.
Que é que seria ele? Engenheiro, poeta, carpinteiro, livreiro, soldador, ou dramaturgo? Na cabeça dos pais, ele se faz filósofo e marinheiro, singra mares e pensa firme, porque o importante mesmo é existir e a profissão, esse necessário assessório da existência, é irrelevante e pesa menos na balança que pende para o essencial que é ser feliz – ou ao menos viver, o que não é a mesma coisa, mas já satisfaz.
Ele namoraria uma menina chamada Ricoleta. Aquela de olhos cor-de-amêndoa, sardas impecáveis decorando o rosto, ou preferiria a Juliana Cabeça de Martelo, seu talhe rechonchudo, o semblante assim aerado, parecendo de algodão-doce, e por mais que a olhássemos, pesquisássemos, não se lhe descobriria o motivo do apelido, possivelmente dado por um rival que contava oito anos de infância e seis meses de inocência. Na juventude, tudo é infinito.
Lá nos 20 e poucos anos, seu verdadeiro amor seria a Lupita, a menina da cantina da escola. Trocariam cartas, como nos tempos dos seus avós, ele lhe mandaria flores coloridas, ela as guardaria num diário. Casariam num dezembro de 2028. Ricoleta, Juliana e Lupita são viúvas de um futuro interrompido.
O rascunho dessa biografia o destino avarento sonegou para si. O destino que às vezes rima com divino, é também cheio de seus maus humores e imprecisões: por que deixar nascer quando se sabe que não vai deixar viver? Acumula e queima demais essa pergunta. Por que tudo começa, quando tudo acaba, se despedaça?
Para tantos outros Gabriéis que mal chegam e já vão embora, talvez para não se aborrecerem com a crueza deste mundo, os refletores do céu hão de ficar acesos, esperando-os com cânticos lúdicos; devem ser embalados nos colos das nuvens que é também uma espécie de mãe aérea, e lá se deixam estar, contemplando a eternidade, sem aqui nada ter provado; nem as delicias nem os flagelos, sem contato com a cobiça, distante das injustiças.
Boa eternidade para você, breve Gabriel.
Escrito por Alex Menezes às 20h33
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