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A Ronda Noturna, Rembrandt

Mas que nome complicado, Sr. Rembrandt; Rembrandt Harmenszoon (1606-1669). “Luz/ Quero luz! Nem que todos os barcos recolham ao cais/ e os faróis da costeira me lancem sinais“. Cantou o poeta de Holanda. O pintor holandês também queria muita luz; e a usava de forma transbordante, mas uma espécie de transbordamento que insinua limitar, em vez de ampliar. Longamente influenciado por Caravaggio (1571-1610), o mestre italiano forasteiro e fora da lei, Rembrandt fez o que quis com a luz, mas com um detalhe arrebatador: não dispersava-a ao léu nas paisagens; usava-a focada onde queria direcionar a condução da história que, pintando, usava contar. Um mestre no uso do claro-escuro.


A tela, uma obra-prima do barroco, “A Ronda Noturna” de 1642, hoje no Rijksmuseum de Amsterdam, é de uma grandiosidade arrebatadora; um primor de perícia no uso da luz também como parte integrante e membro dos aspectos emocionais do quadro.


De onde vem a luz? Da esquerda? Da direita? Frontal? Do alto, de baixo? Observando-se com mais atenção, é possível ver o capitão (de preto e faixa transversal vermelha) ordenando ao seu lugar-tenente que saia com a companhia – já que se trata de um quadro com motivos militares. O tênue feixe de luz tem sua origem descoberta com a sombra da mão do capitão que se projeta sobre a vestimenta propositadamente dourada do seu subordinado; é quase imperceptível.


Outra fonte de controvérsia é a menina de aspectos fantasmagóricos numa tela que derrama efusão bélica; soldados preparando o mosquete, oficiais erguendo estandartes, o da extrema direita rufando tambores, outros examinando as longas lanças, que lembram as temidas sarissas macedônias, pelo excessivo tamanho. O que faz ali a garota? Distorce o embate cênico e, porque não dizer, teatral da milícia pronta para o combate? Fosse encomendada a outro pintor, estaria a legião disposta em pose formal, toda a hierarquia seguindo a sisudez que a farda impõe; mas em Rembrandt a convenção se dissolve, e ele dá movimento e dinamismo à narrativa; ele tinha horror à monotonia.


Cada qual acha a explicação que lhe aprouve. O mais provável é que tenha sido uma derradeira homenagem do pintor à sua esposa, Saskia, devotando a ela uma espécie de ode dionisíaca em meio aos tumultos que uma guerra sempre traz; seria ela, como mor e menor parte das amantes, um porto seguro, uma ilha de razão e sensibilidade infiltrada na constante irracionalidade dos conflitos? Pode ser. O artista pintou o quadro, cabe a cada olhar decifrar o enigma que cada pupila compreende ao ver um mistério, uma flor, um amor.

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