O símbolo da Força Expedicionária Brasileira no esforço de guerra dos anos 40 era uma cobra fumando. Isso porque os europeus criam que era mais fácil uma cobra fumar do que o Brasil enviar forças para combater na II Guerra. Era mal visto. Um réptil rastejante era indigno de uma nação. O símbolo do BOPE é uma caveira. Quando uma força estatal usa como signo um tão aziago monumento à morte é sinal de que algo se putrefaz e pior, não nos damos conta, e ou até, aplaudimos. Não vislumbro uma evolução nacional quando se usa, em vez de inteligência para combater um mal endêmico, brutalidade na forma e no meio. É detestável.
Por todo o tempo me fixei na caveira enquanto via o filme, no cinema. O filme em si é fraco em termos técnicos, falta ritmo no início e ele só engrena lá pelos 40 minutos; algumas personagens não são convincentes, como a líder de ONG Maria, que fuma maconha, namora um negro, abdica incongruentemente de sua condição de filhinha de papai para se embrenhar no morro: é muita virtude para pouca fé; Wagner Moura, incensado pela crítica, se ancora muito mais na brutalidade que o papel principal exige do que numa atuação marcante; André Nascimento, a melhor atuação da fita, que faz o “aprendiz” Matias é o nome do trailer: chega perto de Denzel Washington não pelo símile da cor da pele do ator norte-americano, mas pela capacidade de lançar olhares com todos os músculos da face. O anticlímax do final sem fim dá uma sensação de arrogância à fita.
O filme naturalmente despertou a atenção por bulir num tema caro a todas as camadas sociais do país; a responsabilidade dos usuários de drogas nos altos índices de criminalidade e a corrupção no “sistema”. Que boa parcela da mesma sociedade que participa de passeatas pela paz financia o tráfico de drogas não há dúvida; a novidade agora é que o cinema faz uso de sua linguagem universal para denunciar essa covardia hipócrita. Já a corrupção na PM é tratada sem meias-tintas, chegando a ser surreal nalguns momentos. Antes de tudo, é bom lembrar que não obstante todos os deslizes, os policiais são verdadeiros heróis que garantem a relativa paz social. São eles que estão na linha de frente na quase guerra civil das grandes cidades brasileiras, e isto feito em troca de um soldo vergonhoso, de 700 reais em média. Você subiria morros para guerrear com traficantes por dez vezes esse valor? Eu nem por cem.
Mas a caveira idolatrada é o principal vetor, o que o sustenta o filme, e por ficar ali, muda, sem atirar nunca e ser apenas visual, não é percebida; em certo momento, o já célebre capitão Nascimento bate no emblema mostrando a um aspirante ao BOPE que era preciso ser macho para ostentar aquela insígnia no peito. O amálgama entre o oficial e o oficioso é um retrato da falência das instituições. Imagino a mente criativa que bolou o símbolo da caveira e a apresentou ao oficial que por sua vez achou-o “engraçado” “positivo” e o autorizou. Teria sido algum líder de facção que criou o emblema para ironizar o governo de forma escancarada e por isso ninguém perceber? Pode ser. Boas idéias nem sempre saem dos gabinetes.
Vilões, mocinhos, inocentes: istos não hão no filme nem na vida real, a acusação de fascismo à fita do diretor José Padilha não procede; a hipocrisia e a corrupção é comum a todos nós ou a todos aqueles que gostam de limpeza mas não gostam de limpar, atribuir tal efeito ao filme é confundir coerência com oportunismo.
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