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50 Anos: Veredas


Eu tenho saudade da nossa canção

Saudade de roça e sertão

Bom mesmo é ter um caminhão

Meu amor...



Bye Bye Brasil, música do Buarque, aquele de Holanda que também é Chico feita para o filme homônimo de Cacá Diegues. Atrevido que sou, farei um reparo na letra:



Eu tenho saudade da nossa canção

Saudade de (Guimarães) Rosa e (Grande) Sertão: (Veredas)

Bom mesmo é ter um caminhão

Meu amor...



Há 50 anos João Guimarães Rosa escreveu um dos livros essenciais da nossa e das outras literaturas. Rosa é o nosso James Joyce, porque inventor de palavras. Nosso Homero porque criador duma odisséia. Nosso Tolkien porque fazedor de um mundo particular não Médio. O senhor dos anéis que enlaça as Minas de modos Gerais; Rosa é uma epopéia.


Pode parecer um pensamento vulgar, ou mesmo extravagante, mas quem garante não ser o nosso Rosa o Joyce, o Homero e o Tolkien dos irlandeses, gregos e ingleses?



Diadorim e Riobaldo são as figuras centrais do livro, entremeei algumas frases e as comento num estado de letargia:





Conceito oblíquo de um Criador, que se distorce, se entroncha, se Roseia:



“Como não ter Deus?!, com Deus existindo tudo dá esperança: sempre um milagre é possível, o mundo se resolve. Mas, se não tem Deus há-de a gente perdidos no vai-vem e a vida é burra.”



Depois:



“O diabo é às brutas: mas Deus é traiçoeiro. Ah, uma beleza de traiçoeiro - dá gosto! A força Dele, quando quer – moço! – me dá o medo pavor. Deus vem vindo: ninguém não vê. Ele faz é na lei do mansinho – assim é o milagre. E Deus ataca bonito, se divertido, se economiza”



É sensível não obstante a brutalidade adjacente:



“Vivendo, se aprende; mas o que se aprende, mais, é só a fazer outras maiores perguntas”.



Do nada dá um nó na nossa noção nula de nenhum norte:



“Agora sei como tudo é: as coisas que acontecem é porque já estavam ficadas prontas”.



É incrível e politicamente profético:



“O que juro, o que sei, é que tucano tem papo”



Um simples e antigo conceito universal que deve ser seguido à risca:



“Pobre tem de ter um triste amor à honestidade”



Descortina e lustra uma bela forma de enxergar o amor:



“Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura”



Ainda quando é para rir, nos faz pensar:



“Ave, já vi de tudo neste mundo! Já vi até cavalo com soluço...”



Viram?



Rosa é esse enigma, essa força da natureza, esse colosso de idéias. Zombador da própria espécie. Mas era um homem sujeito às vaidades e aos medos comuns a todos. Foi vítima de uma estranha premonição.



Eleito membro da ABL em 1963, ele acreditava que morreria quando tomasse posse. Adiou o quanto pôde a cerimônia e quando ela ocorreu, ele veio a falecer três dias depois. Será que ele quis apressar sua morte (morrer sem necessidade é um crime hediondo) para dar razão e legitimar sua crença? Igual aquele hipocondríaco que mandou esculpir no próprio epitáfio:



“TÁ VENDO?? NÃO FALEI??”



Morreu, efetivamente. Não vou e não quero fugir do clichê; clichês são bons para momentos de angústias e solidão: desaparecido o homem permanece a magia da obra que não tem data alguma para expirar. Felizmente, os criadores de grandes obras podem dispor apenas de suas vidas, jamais da arte que legam para o futuro. Grande Rosa.





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