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Rio de Janeiro, 29 de Setembro de 1908, 03h29

Há exatos cem anos, era virado um dos capítulos mais tristes da história do Brasil: ia-se embora para o “undescovery country” um dos mais iluminados espíritos já nascidos neste mundo. Foi lá o homem, estudar a "geologia dos campos santos", deixando atrás de si uma legião de santos e hereges a tentar desvendar o seu mito.


Da morte, o genial Machado não podia se queixar; ironizou-a enquanto viveu, por saber que, apesar de patética, ela era necessária --- “ninguém me tira a suspeita que tenho de que a gente não morre de moléstia ou de desastre, mas que o desastre e a moléstia vem quando é preciso morrer”.


É provável que Machado não precisasse morrer, mas o que é morrer quando se vive uma vida de esplendor e glória, e é amado por uma esposa carinhosa, como nosso grande Mestre? Ele morreu para não morrer nunca mais. “Quando não houver mais Inglaterra, nem idioma inglês, haverá Shakespeare.” Quando não houver mais natureza, haverá Machado, que soube dizer as mais belas coisas do modo mais perversamente sutil, como a natureza, que produz gênios como ele para se desculpar da vasta gama de misérias que no mundo há.


Cumulado de sucesso e fama, a lenda diz que sua última frase pronunciada foi que “a vida é boa”; derradeira ironia decerto. Tomás de Aquino compreendia Deus como além do espaço e do tempo. Machado deve ser compreendido fora de rótulos, de nacionalismos, etnia, origem, classe, visão política; ele não é um órgão de um corpo, ele transcende o corpo, por isso não comporta amarras conceituais.


TRECHO FINAL DA PALESTRA “MACHADO: UM SÉCULO DE PRESENÇA”, 13/04/2008, em São Paulo.


Machado foi o que o clichê pede para chamar de “força da natureza”. Diferente da grande maioria dos grandes gênios, ele não era um sujeito atormentado, dado a comportamentos intempestivos ou surtos de estrelismo.


Vivia uma vida feliz, participava de reuniões com amigos (aliás, grande cético, penso que a única coisa em que Machado acreditava era na amizade), ia muito ao teatro e espetáculos de ópera, jantava fora com os amigos; só no fim da vida é que se tornou um homem recluso com os dois golpes que acabariam por matá-lo: a morte de sua amada esposa Carolina em 1904, com quem viveu por 35 anos, e o câncer na língua que o levou para a sepultura. Aliás, ele tirou a sorte grande ao conhecer uma mulher que o completava e que o amava acima de tudo.


Machado entrou na vida como um pirralho pobre e franzino com um futuro incerto; morreu poliglota e consagrado como o maior escritor de sua geração; de sua geração apenas não --- agora quem vai falar é um apaixonado.


Dos escritores que se expressaram em língua latina, não se levantou ninguém maior do que Joaquim Maria Machado de Assis. Apesar de Virgílio. Apesar de Guimarães Rosa. Apesar de Borges. Apesar de Cervantes. Apesar de Proust. Apesar de Racine. Apesar de Flaubert. Apesar de Camus. Apesar de Camões. Apesar de Dante.


Só não vou mais longe e digo que ele é o maior escritor universal em todos os tempos porque se deve respeitar gente como Kafka, Dostoievski, Tolstói, Dickens, Goethe, James Joyce, Thomas Mann, Oscar Wilde, Willian Faulkner, Homero e Sófocles. Mas, no mínimo, o nosso grande Machado de Assis, produto genuinamente nacional, faz ombro com qualquer um desses que não escreveram em língua latina.


Para finalizar, contarei uma historinha do pintor holandês Van Gogh. Influenciado pela pintora japonesa, Vincent pintava com extrema rapidez, sem desenho prévio, aplicava a tinta direto na tela; às vezes pintava um quadro por dia. Em carta ao seu irmão Théo, Vang Gogh o advertiu:


“De meu trabalho resultam telas feitas velozmente. Mas bem calculadas de antemão. E quando lhe disserem que é coisa feita demasiadamente rápida, poderá responder que viram demasiadamente rápido.”


Com Machado se dá o mesmo. Caso tenha lido um livro dele e não tenha gostado, certamente é porque o fez demasiadamente rápido.


Obrigado.





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