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Renato Russo e Heidegger

Reunir Renato Russo e o filósofo Martin Heidegger é sempre um exercício de inventividade e desafio, mas vamos lá: há coisa mais insuportável ultimamente do que essa urgente necessidade de ser feliz? Convicto estou de que isso só ocorre a quem desceu do berço aos 16 anos, ou tem mingau na cabeça.


Para Heidegger(1889/1976), crítico da conduta humana, o avanço tecnológico era nada menos que "o esquecimento do ser"; ele sedimentou o caminho do existencialismo (a essência precede a matéria etc). Imagine se ele tivesse visto o que vemos hoje, a tecnologia da comunicação aniquilando... a comunicação, já que ninguém conversa, quando muito debatem-se e lutam.


Quem é e está "feliz?" NINGUÉM. Para Epicuro, outro artista do pensar, a morte não existe quando estamos vivos, e nós não estamos quando ela existe. Grosso modo, é igual com isso de ser/estar feliz. A felicidade é um mistério fácil de decifrar. Numa canção dos Beatles "Happiness is warm gun" (letra de Lennon):


But don't you know that happiness! - mas você nao sabe que a felicidade

Is a warm gun! - é uma arma quente!


O ex-beatle tinha quase razão; quase porque a Felicidade é uma arma cujos cartuchos são o tédio, não o fogo.


Em "O Mundo Anda Tão Complicado", Renato quase implora:

"Vem cá, meu bem, que é bom lhe ver

O mundo anda tão complicado

Que hoje eu quero fazer tudo por você"


A frase que pesco é a do meio: o mundo anda tão complicado, talvez por ser simples demais para gente que se julga complexa demais e daí contamina o ambiente externo.


Bill Gates não é feliz todo o tempo. O agricultor nordestino que ampara sua esperança numa nuvem baldia não é infeliz todo o tempo. A mulher mais esbelta no corpo e gorda no saldo bancário, há de ter picos infelicidade; é o que nos torna humanos.


Salomão, o filho mais espertinho do rei Davi, achava que buscar a riqueza era como tentar alcançar o vento e está errado: a riqueza é alcansável, claro. Mas isso de ser feliz, e mais ainda, PRECISAR ESTAR FELIZ não há vento disponível no mercado.


Sociedade infantilizada e mimada que entende que os astros do céu e os fenômenos naturais da terra têm de atuar para seu bem-estar permanente merece nada menos do que um riso, não um sarcástico, mas um de graça e leveza.


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