"Sabe, no fundo eu sou um sentimental/ Todos nós herdamos no sangue lusitano uma boa dose de lirismo...(além da sífilis, é claro)/ Mesmo quando as minhas mãos estão ocupadas em torturar, esganar, trucidar/ Meu coração fecha os olhos e sinceramente chora...
Corre no território livre da Internet a malfadada piadinha de que um avião caiu em Congonhas, por incompetência governamental, 199 pessoas morreram, e quem foi preso foi o dono do puteiro.
“Puteiro” é vulgar, melhor é prostíbulo, mais elegante. O que é a prostituição? Um estado de coisas tão puras que move uma ilha? Não sei.
Dia desses, ao retornar do teatro, percorri as ruas Augusta, e à volta para a casa, a Rego Freitas, adjacências. Um frio gélido desmentia os termômetros da rua da Consolação, teimando o numeral 11º quando estava uns –11º tal a sensação da noite que potencia o frio por querer-se a cama. As moças lá, impávidas, a bolsa a tiracolo, as roupas sumaríssimas, como a contemplar o calor do nordeste. É antes de tudo um ato varonil.
À mercê da esquina e de estranhos, a esperar um trocado qualquer, menos um afago. Nunca me servi de tal serviço, menos por necessidade ou nojo e sim por as querer estudar na mente, cogitar delas o custo/benefício de correr grande perigo, a necessidade não rara desnecessária de ali estar. Imagino os homens malcheirosos, uma fimose inflamada, o esmegma transbordando a glande e a percorrer suas coxas decoradas com rede de pescador, um suor mal curado por um desodorante de apertar, uma cicatriz que supura o líquido e o odor, uma completa ausência de assepsia física, tocando-lhe a pele que um dia a mãe ou a assistente social um dia acalentou. Deve haver alguma aflição, doravante. Há. Eu me aflijo ao escrever e você o mesmo ao ler. E ela ao sentir. Mas continua.
As de baixa categoria sofrem mais, ou menos. As de alto luxo, o cachê de mil dólares, só deve sentir o fedor do dinheiro, pouco o do homem. Amor do ofício, necessidade, condição social, hereditariedade, ou simples prazer: qual a matemática que resulta na soma de dividir o corpo e os sentidos com um desconhecido que pode ser um dândi ou um necrófilo? Um serventuário ou um pederasta, decerto o pai e o irmão de alguém?
Tudo é simbologia. Impressiona-me a disposição; a dedicação para fazer aquilo seja quente ou fria a noite das cidades, como um estudante deve se dedicar para o vestibular, todos os dias a bordo dum livro que boceja; as prostituas são modelos de trabalhadores leais à profissão, não lhe importam o clima nem o cliente, estão ali para servir, o dinheiro recebido é um apenas um mero resgate.
Quando me encontro no calor da luta
Ostento a aguda empunhadora à proa
Mas o meu peito se desabotoa
E se a sentença se anuncia bruta
Mais que depressa a mão cega executa
Pois que senão o coração perdoa..." – O carrasco de “Fado Tropical”. Francisco.
Escrito por Alex Menezes às 22h35
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