“Nina diz que embora nova por amores já chorou/ que nem viúva…”
Esse verso da canção “Nina”, do novo disco de Chico Buarque evoca sabe aquelas sacadas que impregnam nosso idioma de sons e tons?
A letra fala de um romance virtual entre um brasileiro e uma russa; Nina ainda não viu o rapaz, anseia por o conhecer em breve.
“Nina diz que eu posso ver na tela/a cidade o bairro a chaminé da casa dela…”
Usando o recurso do Google Maps, Chico inova retroagindo por unir o moderno ao arcaico, já que a música é uma valsa, um gênero por já extinto. Não é a primeira vez que o compositor usa o recurso. Em Bye Bye Brasil de 1979: “Eu acho que vou desligar/as fichas já vão terminar”, falando da profusão dos orelhões, novidade nos rincões do país. Em 1988 foi a vez de a secretária eletrônica entrar em cartaz em Anos Dourados, “te ligo ofegante/e deixo confissões no gravador…”.
A junção do novo e do velho indica um artista mais ou menos atento as mudanças tecnológicas sobretudo no tocante à comunicação; é o orelhão, é a secretária, é a internet, a necessidade de se intercomunicar parece ser o objeto de desejo do escritor que não faz mais do que usar a linguagem como antídoto contra a decadência da comunicação como ferramenta crucial para o desenvolvimento socio- cultural da nação.
A letra deixa um enigma interessante no ar. Por que não trocaram fotos? Nina relata a ele a cor da sua pele, cor de neve, os olhos negros como o breu, teriam ambos amantes se deixado entregar a um amor platônico cuja aparência nada importa? Mais uma vez o bit e a pena se encontram, mesmo tecnologicamente acessíveis para se verem, ambos parecem se importar pelo que pouco importa hoje numa relação amorosa, a identificação, a sensibilidade, não massa muscular, não mera imagem que se desfaz.
Nina diz que embora nova por amores já chorou… esse verso também pode ser lido assim:
Nina diz que, em Bora Nova, por amores já chorou…, já que Bora Nova é uma cidade das Rússias sem fim.
O gênio, quando se revela no detalhe se torna mais genial do que a genialidade.
“NINA”
Nina diz que tem a pele cor de neve
E dois olhos negros como o breu
Nina diz que, embora nova
Por amores já chorou que nem viúva
Mas acabou, esqueceu
Nina adora viajar, mas não se atreve
Num país distante como o meu
Nina diz que fez meu mapa
E no céu o meu destino rapta
O seu
Nina diz que se quiser eu posso ver na tela
A cidade, o bairro, a chaminé da casa dela
Posso imaginar por dentro a casa
A roupa que ela usa, as mechas, a tiara
Posso até adivinhar a cara que ela faz
Quando me escreve
Nina anseia por me conhecer em breve
Me levar para a noite de moscou
Sempre que esta valsa toca
Fecho os olhos, bebo alguma vodca
E vou…
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