
ABM
- Vou me Casar
Da Muralha da China, boa parte do “tudo” se pode ver.
De certo ponto do espaço, pode-se ver a Muralha. As outras coisas visíveis do espaço pedem mistério.
Noites dessas, olhando uma estrela jazida no céu minguante, interroguei-a sobre como é a emoção de ver do seu privilegiado ângulo todas as coisas passadas aqui em baixo, neste carrossel infindo de milênios e trilhênios, flagelos e delícias --- vá lá, mais um que o outro.
- Vou me casar.
Um casamento equivale à construção duma muralha, obra assaz penosa e dispendiosa, não rara exposta às dificuldades dos penhascos escarpados, das intempéries que não são raras nem batem com aquela força de martelo que estraçalha e finda, mas com a força de verruma que machuca mais lentamente, dilacera mais lentamente.
- Vou me casar.
Casem-se, mas pensem-se.
O promissário casador só deveria se casar se houvesse um contrato que viger fora da esfera jurídica conhecida, novidade antiga que chamo de “contrato mental”, que reza:
“Casemo-nos, mas nem que chegues bêbado todas às vezes, não nos separaremos.”
“Casemo-nos, mas de ti aguentarei, mesmo de mau grado, o mau hálito e o hábito novelesco, sem pensar em divórcio.”
“Casemo-nos, e mesmo que o cartão de crédito nos queira separar, não nos separaremos.”
“Casemo-nos, e mesmo que a cor do nosso sofá não for do agrado de nossas respectivas mães, não nos separaremos.”
Et coeterva.