Um inglês, falsamente diagnosticado com câncer no pâncreas (gosto desse nome, “pâncreas”) e com um prazo de sobrevida igualmente equivocado de 12 meses, resolveu torrar a grana que tinha e a que não tinha. Ótimo. Eu não sei o que faria se um médico me premiasse com igual sentença. Sócrates, aquele do “nada sei” (ô se sabia, o enrolão), ao ser informado que ia ser condenado à morte por envenenamento com cicuta, reagiu, o ar filosofal e dardejante: “E não estamos todos?”.
Por necessidade ou por desencanto, algumas coisas tendem a escapar da nossa compreensão. O sujeito da epígrafe quis “viver como um rei” os últimos momentos da sua vida. Ia aos melhores restaurantes; tomava do melhor champanhe; comprava a melhor roupa. Gastronomia e consumismo são sinônimos pagãos. Que o diga o italiano Luculo.
Ao esbarrar na matéria, deparei-me não com a questão da vida e da morte, que, de tão pisada e repisada, desbotou pelo avesso e perdeu o tom. O que me calcinou o pensamento foi eu ser persuadido a crer que se empanturrar de coisas “carésimas” traria felicidade ao semimorto ou semivivo --- depende do caso, se você for dele herdeiro ou credor. Questão de ótica e partilha.
Custo a crer que um singelo índio ribeirinho isolado, digamos, tupinambá, ali, imerso em cogitações atuais, à margem do seu ribeiro, ignorante da cruel existência do Credicard, sem ter ideia do que é um shopping center, ou desdenhar solenemente da cremosidade límpida do um sorvete Hagen Däsz, protegido por sua taba úmida de palha molhada e aconchego, seja menos feliz do que o sultão de Brunei e seu palácio de 1600 (mil e seiscentos) aposentos. Custo crer.
Ocorre que a certeza da morte (?!!), ali, roçando os miúdos da gente, com data fixada para a compensação, feito cheque pós-datado, faz tornar o sujeito mais idiota. Afeta forte. Corrói uma membrana ainda desconhecida da ciência anatômica e deixa o cidadão (seja ele inglês ou petista) meio assim, leso. Aí o que faz o sujeito? Entope-se de placebos caros. Não condeno a idiotia do inglês; eu também não estou imune a ela. A medida imediata que eu tomaria era a de expiar meus pecados (que são muitos e tumultuosos) e assim garantir uma boa estada naquela hospedaria que ninguém jamais quer reservar um quarto, por medo ou por ignorância. Do outro lado, se é verdade que os mortos vivem, eles devem mofar da gente:
- Esses panacas, não sabem o que estão perdendo...
Escrito por Alex Menezes, às 23h04.
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