Tudo bem que Rembrandt nunca viu um Caravaggio de pertinho, exceto algumas copias, e ainda assim se inspirou grandemente no virtuose italiano para pintar suas “Rondas Noturnas”. Vou ficar muitíssimo magoado comigo se acontecer de abandonar a existência sem ver de perto obras como “O Desepertar do Escravo”, escultura inacaba de Michelangelo em que a figura parece tentar se libertar do bloco de pedra; saborear “O Grito” de Eduard Munch, ver um Leonardo qualquer de perto: como nas canções dos Beatles, prefiro suas obras menos incensadas e conhecidas, como “Dama com Arminho”; é inquietantemente bela e agonizante, uma tela que evoca, inconscientemente, Shakespeare, (“o belo é feio, o feio é belo”, Macbeth) inconsciente porque o italiano “pressentiu” o outro pois morreu em 1519 e o inglês em 1616; vá lá o escritor se inspirou no pintor.
Alguns artistas são melancólicos e taciturnos ou por natureza ou por necessidade e não raro entregues, à exceção de Diego Velázques e de Rembrandt (que como Mozart, foi sepultado numa cova anônima) à absorção de suas criações artísticas que justificavam suas existências. A entrega destes grandes espíritos artísticos nos legou obras magníficas; advirto para o fato de “grandes espíritos artísticos” não serem necessariamente grandes espíritos de convivência; imagine o que era acordar com os olhos flamejantes de Van Gogh invariavelmente tomados de cólera? Ou os surtos sinestésicos de Goethe que infundia pavor na sua pobre serva inculpe?
O museu de arte de São Paulo, Masp, foi furtado em duas de suas mais expressivas obras, um Picasso e um Portinari. O acervo do Masp de 8 mil obras, segundo consta nos jornais de hoje, está avaliado em 17 bilhões de reais, uma soma fácil de mensurar, difícil de calcular. Três mequetrefes invadiram o museu com o mais ricos acervo da América Latina e quem guardava essa fortuna não apenas monetária, mas histórica? O Guarda Belo. Sim, o simpático guarda da Turma do Manda Chuva é que zelava pela segurança de peças como um ultra-raro Ticiano e um Rafael, talvez as telas mais raras e de valores incalculáveis do museu. Tinham seguro tão espetaculares primores da arte? Não senhor. O Masp sequer paga as contas de energia, que dirá fazer seguro do acervo. Politicagens e vaidades impedem uma boa administração da Casa.
Obras presentes em todos os catálogos de arte do mundo os ladrões, salvo se a empresa dos meliantes tenha sido encomendada por algum figurão egocêntrico, terão grandes dificuldades em repassar ambos os quadros: é aí que o engenho humano, que a complexidade do sistema de coisas, entra em ação para nos fascinar: penduradas na parede do museu, valiam milhões de dólares, armazenadas da despensa de uma casa sub-reptícia elas valem apenas um tíquete para a cadeia. Enquanto públicas, eram minha e sua; hoje pode estar num porta-malas de carro, na posta-restante de um caixeiro viajante. Deixe disso, senhor ladrão e senhor suposto mandante, devolva minhas-nossas telas, não acha que vai enjoar de ficar olhando o lavrador?, e se ele resolver se rebelar e danar aquela enxada no seu cocuruto?; o retrato da Suzane Bloch só tem efeito artístico dentro de uma galeria, não a queria na minha sala, como quer o humorista José Simão, olhando bem, ela parece mesmo o Silvester Stallone; devolva-as antes da rebelião.
Escrito por Alex Menezes às 13h24
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