Há dez anos ia-se embora Paulo Francis: “E o presidente dos Estados Unidos” era assim que, à adolescência, ele mais me fisgava atenção, seus comentários no último jornal da noite. “E o presidente dos Estados Unidos” na minha cabeça, ainda quando ele falava na Brooke Shields (a quem ele amava) eu cria que era assim que ele começava qualquer conversa: e o presidente dos estados unidos.
Ele foi acusado de tudo; racista, aristocrata, pseudo-intelectual (lia mais de 100 livros e escrevia cerca 400 artigos por ano) vira-casaca, mesquinho, arrogante, burguês, direitista, mau-caráter, incoerente, e o tudo o mais que cabe no balaio de um esqueleto polêmico; não obstante, fora da personagem criada para a TV, dizem os seus amigos que nas relações pessoais, era anódino como um beija-flor.
Amigos existem para isso mesmo; pedir ajuda e salvar biografias, item, já se disse que a biografia é um cosmético que se aplica nos mortos.
O jornalista Daniel Piza, conta saborosas histórias dele neste endereço http://www.paulofrancis.com/main/main.htm.
Paulo Francis era, todavia, a vera-efigie do inconformismo e da honestidade intelectual, apesar de atuar para uma emissora tendenciosa como a Globo falou o que quis sem freios institucionais, uma raridade para aquela e esta época. Se vivo estivesse, iria aborrecer muitamente os poderosos da vez, poderosos incultos e como bem apontou Millôr Fernandes, crítico feroz do atual governo: “Livro é livro, quem aí do governo escreveu alguma coisa?”.
Era e é dono de um texto cristalino irônico e mordaz, não raro ácido, até desleal. Ia da alta erudição ao baixo calão no mesmo empuxo; zelava pelo idioma, acreditava que o livro mais bem escrito em português era Memorial de Aires, do gênio de Assis, em suma, tinha um cuidado flaubertiano com as palavras.
Na balança da opinião que pesa as ações humanas, o ponteiro pende para um equilíbrio vacilante quando mede a estatura moral de Paulo Francis, mas os melhores espíritos são aqueles que violam em público uma regra que todos violam na intimidade com medo do tribunal judicial da opinião alheia. Ele, se tinha vícios e defeitos, os escancaravam sem piedade de si, era simplesmente grande, como Alexandre que também cometeu vilanias, impossível ser grande sem ferir o orgulho de alguém ou de algo.
Francis deixa saudade e vácuo.
Escrito por Alex Menezes às 22h47
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