A Folha de São Paulo abriu largo espaço para Paulo Coelho mostrar seu descontentamento contra a decisão judicial que proibiu a venda do livro “Roberto Carlos em Detalhes”, biografia não autorizada do cantor, escrita pelo jornalista Paulo Roberto de Araújo. “Engraçado isso, uma cidade amarela. Eu pensava que Budapeste fosse cinzenta, mas Budapeste era amarela”.
O jornal paulista nunca jamais fez uma resenha favorável à obra de Coelho, mas não obstante, dar-lhe um grande destaque (com chamada de capa inclusa) faz o jornal ganhar prestígio ou “se render” ao talento do escritor de maior sucesso comercial do país. Curioso isso. “Olhem o que Paulo Coelho tem a dizer”, diz sublinarmente o jornal que, com raras exceções, tem como colaboradores tecnocratas iguais aos de Brasília, que ajudam diariamente o país a ser cada vez mais miserável.
Como vivemos na era do “culto à celebridade”, nada importa a atividade do “célebre”; o que vale é ele ser ouvido, que apareça, que seja celebrado. Não quero discutir a qualidade literária do autor de livros de autoajuda. No artigo, ele dá ênfases curiosas sobre si, quais sejam: dizer no artigo que “um jornal espanhol de 'primeiríssima linha'" teve de se retratar por ter publicado uma reposta que ele não havia dado; depois, paroxismo chulo de quem se equilibra apenas no sucesso para mostrar seu valor, diz que, “recentemente, um dos mais importantes programas da BBC Radio me perguntou a lista de cinco discos que eu levaria para uma ilha deserta, e incluí um dos seus (do Roberto)”, mas o que Coelho quer dizer mesmo é isto: “Olhem como eu sou influente! Sou requisitado pela BBC, jornais espanhóis me amolam, vejam como sou internacional, importante, eu sou um deus da escrita, só os cegos acadêmicos e intelectuais do Brasil ainda não ergueram um altar para mim”.
Ele escreve mal e feio. Recorre aos mais gastos lugares-comuns para reforçar uma ideia que nem minha sobrinha de 11 anos usaria numa redação escolar: “quem está no fogo é para se queimar”; faz construções de frases ingênuas, tem um vocabulário pobre e tosco, repete palavras no mesmo parágrafo, se enrola em concordâncias simples: apenas a mediocridade contemporânea explica seu êxito editorial. Quem o lê jamais chegará a ler Euclides da Cunha. Jamais.
Coelho ajuda a explicar nosso tempo: numa era em que programas como BBB fazem estrondoso sucesso, novelas insossas hipnotizam massas, políticos fazem desta uma de manobra, guerras são travadas em nome da mentira, apenas Paulo Coelho, e só ele, poderia ser o símbolo maior da decadência da civilização. Venda um bilhão de livros, Coelho, para glória da mediania e êxtase de Alá. Abaixo, o artigo na íntegra, para quem tiver tempo e coração.
TENDÊNCIAS/DEBATES
O que é "contexto desfavorável"?
PAULO COELHO
Tenho grande admiração por Roberto Carlos. Continuarei comprando seus discos, mas estou chocado com sua atitude infantil
TENHO UMA grande admiração por Roberto Carlos - recentemente, um dos mais importantes programas da BBC Radio me perguntou a lista de cinco discos que eu levaria para uma ilha deserta, e incluí um dos seus. E, apesar dos problemas normais decorrentes de uma relação profissional, tenho um grande respeito pela editora Planeta, que publica minhas obras no Brasil e em vários países de língua espanhola.
Dito isso, é com grande tristeza que leio nos jornais que, na 20ª Vara Criminal da Barra Funda, em São Paulo, os advogados do cantor Roberto Carlos e da editora Planeta fizeram um acordo que prevê a interrupção definitiva da produção e comercialização da biografia não-autorizada "Roberto Carlos em Detalhes", do jornalista e historiador Paulo Cesar Araújo. O editor diz um disparate para salvar a honra, o cantor não diz nada e o autor fica proibido de dar declarações a respeito. E estamos conversados.
Estamos conversados? Não, não estamos, e tenho autoridade para dizer isso. Tenho autoridade porque, desde que publiquei meu primeiro livro, tenho sido sistematicamente atacado.
Creio que qualquer pessoa em seu juízo normal sabe que, a partir do momento em que sua carreira se torna pública, está exposta a ter sua vida esquadrinhada, suas fotos publicadas, seu trabalho louvado ou enxovalhado pelos críticos. Isso faz parte do jogo e vale para escritores, políticos, músicos, esportistas. Nem sempre essas críticas são justas e, muitas vezes, descambam para ataques pessoais.
Recentemente, um jornalista da mais importante revista brasileira disse que "Paulo Coelho não é apenas mais um mau escritor: seu obscurantismo é nocivo. Não se deve perdoá-lo pelo sucesso". Não sei o que estava propondo com essa frase, e não me interessa. Poderia alegar que minha honra está sendo atacada, que me acusa de ser um perigo para meu país, que deseja que eu seja preso. Mas vejo essas diatribes com outra ótica: elas fazem parte do jogo. A única coisa que não faz parte do jogo é a calúnia, e, pelo que me consta, isso não foi tema da ação judicial que levou à proibição de "Roberto Carlos em Detalhes".
Até hoje, desde que publiquei "O Diário de um Mago", há 20 anos, vi milhares de críticas negativas, mas apenas duas ou três calúnias a meu respeito, graças a Deus. Não me dei ao trabalho de contra-atacar porque não achei que valia a pena, embora me reserve esse direito se algo muito sério acontecer. Recentemente, em um jornal espanhol de primeiríssima linha, simplesmente inventaram uma resposta a uma pergunta a que havia me recusado responder. Claro, enviei uma carta ao diretor, e o jornalista teve que arcar com as consequências.
Estou pronto para defender minha honra, mas não vou perder um minuto do meu dia telefonando para um advogado e procurando saber o que faço para defender minha vida privada, já que ela não mais me pertence.
Diz o velho ditado: "Quem está no fogo é para se queimar". Eu acrescento: Quem está no fogo é para ajudar a fogueira a brilhar mais ainda. Não adianta o meu editor declarar que fez o acordo "porque o contexto era desfavorável". Ele precisa vir a público explicar qual é esse contexto - ou seja, se estamos falando de calúnia. Neste caso, tem meu apoio integral, pois calúnia é sinônimo de infâmia. Mas, caso contrário, está colaborando para que comece a se criar um sério precedente - a volta da censura.
Roberto Carlos tem muito mais anos na mídia do que eu; já devia ter se acostumado. Continuarei comprando seus discos, mas estou extremamente chocado com sua atitude infantil, como se grande parte das coisas que li na imprensa justificando a razão da "invasão de privacidade" já não fosse mais do que conhecida por todos os seus fãs.
Também continuarei sendo editado pela Planeta, pois temos contratos assinados. Mas insisto: gostaria que minha editora, dinâmica, corajosa, se instalando agora no Brasil, explicasse a todos nós, brasileiros, o que significa esse tal de "contexto desfavorável".
Desfavorável é fazer acordo a portas fechadas, colocando em risco uma liberdade reconquistada com muito sacrifício depois de ter sido sequestrada por anos a fio pela ditadura militar.
E não entendo por que você, Paulo Cesar Araújo, "se comprometeu a não fazer, em entrevistas, comentários sobre o conteúdo do livro no que diz respeito à vida pessoal do cantor" (Ilustrada, 28/4). Não é apenas o seu livro, cujo destino foi negociado entre quatro paredes, que está em jogo. É o destino de todos os escritores brasileiros neste momento.
Não sei se vou ter as explicações que pedi. Mas não podia ficar calado, porque isso que aconteceu na 20ª Vara Criminal da Barra Funda me diz respeito, já que desrespeita minha profissão de escritor.
PAULO COELHO, 59, escritor e compositor, é membro da Academia Brasileira de Letras. É autor de, entre outros livros, "O Alquimista" e "A Bruxa de Portobello".
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Escrito por Alex Menezes, às 22h20.
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