2006 é o ano das grandes datas: 5 anos do 11/9, 250 anos do nascimento de Mozart; 150 de Freud, 400 anos de Rembrandt e os 100 anos do vôo do 14-Bis do Santíssimo Dumont. Todavia, outra data menos badalada me chamou a atenção: os 100 da reabilitação de Alfred Dreyfus.
Oficial do exército francês de origem judaica, Dreyfus foi o pivô da maior polêmica política-social-étnica-moral desde a Revolução que derribou a monarquia absolutista francesa em 1789. Conta-se que no auge da polêmica, tudo era permitido na França, menos neutralidade ao caso. Noivados foram desfeitos. Sogras defenestravam genros. Jantares de família se tornavam batalhas dos pró-Dreyfus e os anti-Dreyfus. Era uma França alucinada. Quem imaginaria que o berço do iluminismo perderia a razão e entraria num tour de force insano por conta de uma polêmica militar? Teria nascido ali, como notou Hanna Arendt, o gérmen do nazismo?
Dreyfus foi acusado de alta traição por colaborar com o governo alemão, à época o maior rival da França, maior até que seu maior rival histórico, a Inglaterra. A Alemanha, odiada pelos franceses por lhe terem “roubado” duas províncias (Alsácia e Lorena) era tida como uma nação sedenta de sangue e que “quando viam um bebê francês o cortavam em pedaços ou o assavam” diz Gilles Lapouge.
Pois bem. O caso Dreyfus mobilizou toda a França; intelectuais, gente comum, artistas, todos se manifestaram. Anatole France, que escreveu o maior romance sobre a Revolução Francesa (Os Deuses Têm Sede), Marcel Proust e sobretudo, Émile Zola, o grande romancista que no auge da fama se posicionou a favor de Dreyfus por entender que ele era vítima de anti-semitismo escreveu no jornal “L´Aurore” (A Aurora) o famoso artigo intitulado “Eu Acuso” considerado um dos libelos mais revolucionários e corajosos do século XX. Nele, Zola expõe os reais motivos do desterro a Dreyfus; uma França impregnada de intolerância religiosa-étnica, a subserviência da Igreja Católica e de parte daquela França histérica. Um jornal dizia que o semita (judeu) era um povo “mercantil, cobiçoso, intrigante, astuto”, racismo rasteiro contra um povo sem pátria para defendê-lo. Zola foi encontrado morto, misteriosamente, no seu quarto, sufocado pela fumaça da chaminé do seu quarto...
Quem viu o ocorrido em Paris em 2005 com a minoria estrangeira, em represália à segregação, atear fogo a carros e monumentos, vê um certo eco do caso Dreyfus; saber que o ultra-nacionalista Jean-Marie Le Pen lidera as pesquisas eleitorais ou ver declarações de membros do alto escalão do governo Chirac dizer isto: “A seleção francesa só precisava ter três ou quatro negros. Daqui a pouco serão 11 negros titulares.” Mata-se a Igualdade, enterra-se a Fraternidade, crema-se a Liberdade.
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