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Seu Otacílio, o Jardineiro e a Modelo

16/11/2006



- Então, seu Otacílio, esse serviço acaba ou não acaba?


- Quem acaba é a gente, Sandro, o serviço continua.


Seu Otacílio é uma figura. É o homem que cuida da limpeza do prédio onde trabalho. Dono de uns 60 anos, duma ampla calvície também, essas coisas. Gosto de conversar com ele entre uma flanelada e outra, às vezes no elevador, outras nas escadarias, quando acumulo uns 3 ou 4 gramas de coragem e fibras dispersas entre os tendões, para encarar o inimigo degrau.


- Seu Otacílio, como andam as coisas?


- Vão bem, Sandro. Muito trabalho. Mas a gente num pode reclamar não, né?


- É, não pode.


- E num pode desistir também, tem muita vida pela frente...


O leitor não pode idear a arte sutilíssima com que ele disse esta frase, porque ela, pregada neste lugar frio, morre e perde o encanto, porque ele retenciou a reticência.


Quanto de humanismo e de filosofia pode-se extrair duma resposta dessas? Eu extraio muito. Vale, às vezes, umas boas páginas de algum pensador alemão, que precisava de descrença e financiamento para me dizer o que um Otacílio me diz num estalo, sem enfado, sem dor, sem comoção.


Seu João, jardineiro da casa de uma pessoa muito especial, também é cheio dessa sabedoria que não se acha em nenhum espaço acadêmico. É capaz das mais singelas e sábias palavras enquanto rega uma orquídea, tateia a saúde da samambaia, ou mesmo quando cava a cova enquanto alguma criança tira e põe o pé na cova da semente. O jardineiro é o único coveiro que cava cova que vira vida. Violetas.


- Bom final de semana, seu Otacílio.


- Ô Sandro, você viu a menina que morreu porque não comia?


- A modelo?


- É. Você num acha que ela morreu num foi porque tinha muita comida pra comer?

- Bom final de semana. – interrompi eu, urgentemente.





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